JSNEWS (COM AP) – Na segunda grande vitória para Joe Biden em menos de 24 horas, o Senado americano aprovou na madrugada desta quarta-feira uma resolução orçamentária que esboça um pacote de US$ 3,5 trilhões para investimentos sociais. Se posta em prática em seus termos atuais, seria a maior iniciativa do tipo em quase seis décadas, permitindo aos democratas financiar medidas de combate à crise climática e expandir o acesso à saúde e à educação, aumentando as taxações sobre grandes fortunas e empresas.
Ao contrário do pacote de infraestrutura de US$ 1,2 trilhão aprovado na terça-feira, que teve raro apoio bipartidário, o sinal verde para o esboço seguiu majoritariamente linhas partidárias: todos 50 senadores democratas votaram a favor e os 49 republicanos presentes votaram contra. A única ausência foi o republicano Mike Rounds, da Dakota do Sul.
As duas votações de ontem, na prática, permitem aos senadores democratas pôr em prática a agenda econômica de Biden para este ano. O esboço do pacote orçamentário, contudo, ainda tem um longo caminho para frente até que seja concretizado, o que demandará apoio unânime de todos os 50 senadores democratas, sejam moderados ou progressistas, já que boa parte das medidas enfrentam forte oposição republicana.
Ele foi aprovado após uma maratona de votações de emendas, que começou na tarde de terça e se prolongou por mais de 14 horas, chegando ao fim quase às 4h de quarta (5h, horário de Brasília). Os republicanos não tinham muito o que fazer: apesar dos dois partidos terem 50 senadores, a Casa tem maioria democrata.
Isto porque a legislação americana prevê que a ocupante da Vice-Presidência, Kamala Harris, ocupe também a função de presidente do Senado. Logo, seu partido tem o voto de minerva quando há um empate na plenária.
“Esta legislação não apenas fornecerá grande apoio para as crianças deste país, para seus pais e avós”, disse o senador Bernie Sanders, democrata de Vermont, um dos responsáveis por liderar a redação do texto. “Mas também, eu espero, restaurar a crença de que, nos EUA, podemos ter um governo que funcione para todos, não apenas para alguns”.
O plano planeja expandir os pagamentos criados durante a pandemia, outro triunfo de Biden, para boa parte das famílias com crianças — que, segundo estimativas, teriam reduzido a pobreza infantil pela metade. Também garantiria acesso gratuito a pré-escolas, ajudando muitas famílias que não têm com quem deixar seus filhos, e universidades comunitárias, e abriria caminho para licença-maternidade e paternidade.
Prevê também a expansão dos subsídios no âmbito da Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente, o Obamacare, e estipula ajuda estatal para americanos que precisam receber cuidados médicos em casa, como idosos e pessoas com deficiência, além da redução do preço de remédios controlados. Outra de suas cláusulas prevê facilitar o acesso de imigrantes irregulares à cidadania.
Para fazer frente à crise climática, inclui mudanças no código fiscal do país para promover veículos elétricos, como benefícios para aqueles que desejam produzi-los e comprá-los, e um Programa para o Pagamento de Eletricidade Limpa, que pagaria às companhias energéticas para reduzir seu uso de carvão, substituindo-o por fontes limpas. Há também uma cláusula para aumentar as tarifas de importação para produtos oriundos de países com políticas climáticas menos rígidas.
Para arcar com tudo isso, Biden promete novamente mudanças fiscais para aumentar a taxação das grandes fortunas, heranças e corporações, desfazendo cortes implementados pelo presidente Donald Trump. O caminho pela frente, contudo, não é fácil.
Agora, o texto segue para a Câmara, cujos parlamentares voltarão no dia 23 de agosto, antecipando o fim do recesso de verão, para debater a medida. A maioria democrata na Casa é mais ampla que a do Senado, mas os deputados progressistas do partido ameaçam não votar o pacote de infraestrutura até que o pacote orçamentário seja aprovado.
A seu ver, o escopo do texto aprovado na terça foi demasiadamente reduzido para conseguir apoio bipartidário. Objeções de democratas centristas ao valor do esboço orçamentário, contudo, podem dificultar.
Ainda assim, o voto desta quarta põe em ação o mecanismo conhecido como resolução orçamentária — um recurso para que o partido com a maioria implemente sua agenda driblando a controversa cláusula de objeção do regulamento do Senado, que demanda o apoio de ao menos 60 senadores para avançar o debate.
Por este caminho, não precisarão convencer ao menos 10 republicanos a apoiá-los, mas terão meses de trabalho duro pela frente. Agora, comissões do Congresso começarão a debater e criar leis para efetivamente pôr o esboço em prática, precisando conciliar os interesses de todas as alas do partido para chegar aos 50 votos necessários.
Ao menos uma senadora, Kyrsten Sinema, democrata do Arizona, já indicou que não irá apoiar o pacote final de US$ 3,5 trilhões, apesar de ter votado para avançá-lo para a Câmara. Socialistas em ambas as Casas do Congresso americano, contudo, defendiam gastos ainda maiores.
Os republicanos, por sua vez, esperavam tirar proveito da maratona de votação de emendas, procedimento apelidado de vote-a-rama, em que o tempo de debate é de votação é reduzido. Quase 50 emendas foram levadas ao plenário por ambos os partidos, oportunidade aproveitada pelos republicanos para demonstrar sua objeção à agenda de Biden:
“Vocês estão gastando dinheiro como marinheiros bêbados”, disse Lindsey Graham, republicano que representa a Carolina do Sul. — Vocês estão pondo em ação, eu acho, o colapso dos EUA como conhecemos. Vocês estão pondo em marcha um governo pelo qual os netos de nenhum de nós conseguirá pagar.
As propostas, em sua maior parte votadas de acordo com as linhas partidárias, eram não vinculantes e tinham fim eleitoral: almejavam prejudicar politicamente senadores democratas que concorrerão à reeleição no pleito parlamentar de 2022. A maior parte das medidas, ainda assim, foi barrada. Os republicanos não conseguiram impedir os aumentos de taxas para os mais ricos ou reduzir a inclusão de recursos para o combate ao aquecimento global, por exemplo.