JSNEWS – Ao abordar perguntas sobre tarifas e seu impacto econômico, Trump argumentou que as famílias americanas precisam estar preparadas para fazer sacrifícios durante um período que ele espera ser temporário, mas que pode levar a uma prosperidade duradoura. Para ilustrar essa ideia, Trump sugeriu que, em vez de comprar dezenas de bonecas para suas filhas, as famílias adquiram apenas algumas, já que os preços aumentarão devido às tarifas (ver nota explicativa no final da reportagem).
Embora os republicanos tenham, em grande parte, apoiado as ações do governo, essa recente abordagem retórica tem gerado desconforto. Muitos parlamentares do Partido Republicano consideram a mensagem contraproducente e temem que Trump pareça desconectado da realidade das famílias comuns.
“Todas as nossas ações devem ser guiadas por pessoas que enfrentaram dificuldades, e essas palavras claramente vêm de alguém que nunca passou por escassez”, afirmou um senador republicano. “Não é uma mensagem sensível às circunstâncias de pessoas que lutam diariamente.”
“Seria útil se ele fosse mais próximo da realidade das pessoas”, acrescentou o mesmo senador.
O comentário inicial de Trump foi feito durante uma reunião de gabinete na semana passada, cercado por diversos multimilionários e uma das pessoas mais ricas do mundo. Desde então, ele repetiu pelo menos três vezes que os americanos deveriam se acostumar a ter menos bens, pelo menos temporariamente.
“Estou apenas dizendo que uma jovem, uma menina de 10, 9 ou 15 anos, não precisa de 37 bonecas”, declarou Trump a jornalistas a bordo do Air Force One no domingo, horas após defender seus comentários em uma entrevista ao programa“Meet the Press”. “Ela pode ficar muito feliz com duas, três, quatro ou cinco.”
Quando meia dúzia de senadores republicanos foram questionados sobre as declarações, nenhum deles ofereceu apoio irrestrito. Alguns disseram entender parcialmente o argumento de Trump ou destacaram seu estilo de comunicação “peculiar”.
No entanto, vários indicaram que prefeririam que Trump abandonasse essa comparação e usasse um exemplo mais relevante para a classe média americana.
“O que admiro é que ele está disposto a reconhecer que as tarifas podem ter consequências de curto prazo, mas acredita que, a longo prazo, trarão benefícios, e está ajustando as expectativas no nível familiar”, disse o senador Kevin Cramer (R-Dakota do Norte). “Mas ele pode estar estabelecendo expectativas como um milionário, o que não se traduz para o trabalhador comum.”
“Cresci como filho de um eletricista rural, e ninguém nunca teve 30 bonecas, mas se conseguíssemos uma, já era um bom Natal. Pode ser que essas ilustrações não ressoem com a classe média americana”, acrescentou Cramer, sugerindo que exemplos como automóveis ou itens do cotidiano seriam mais apropriados. “É desnecessário, com certeza.”
A senadora Shelley Moore Capito (Virgínia Ocidental), membra da liderança republicana, foi mais direta. “Ele acha que é um bom exemplo. Não tenho certeza se é o melhor”, afirmou.
Os senadores republicanos defendem que Trump deve ter uma margem significativa de autonomia em relação às tarifas, especialmente enquanto os conselheiros de comércio e economia trabalham para fechar dezenas de acordos nos próximos meses.
O senador John Kennedy (R-Louisiana) informou que Jamieson Greer, representante comercial dos EUA, disse aos republicanos na semana passada que negociações estão em andamento com cerca de 40 países, algumas das quais podem ser finalizadas nas próximas semanas.
Isso tem impedido a maioria dos parlamentares de se opor publicamente às tarifas, apesar de possíveis ressalvas em discussões privadas.
O maior acordo, no entanto, parece estar longe de uma resolução. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, informou aos senadores na terça-feira que as negociações com a China ainda não começaram. Trump impôs uma tarifa de 145% a Pequim, que permanece em vigor, ao contrário da maioria das outras tarifas, adiadas desde o anúncio do “Dia da Libertação” no início do último mês.
O senador Rand Paul (R-Kentucky), um dos principais críticos das tarifas amplas de Trump, também condenou a comparação, afirmando que ela soa como controle governamental.
“A quantidade de bonecas que você tem cabe às pessoas que as compram, não ao presidente”, disse Paul, que tem inclinações libertárias. “Quando você ouve pessoas falando sobre política de tarifas, parece política industrial, como se o governo estivesse escolhendo por você o que é uma quantidade razoável de coisas para comprar.”
“Não me importa se você tem quatro televisões em casa, uma ou nenhuma. Não é da minha conta”, continuou. “Mas o governo dizer que você não deveria ter tantas televisões? Isso soa como autoritarismo.”
Além das preocupações práticas com uma possível recessão econômica, há também questões políticas que preocupam os republicanos, enquanto tentam manter todos alinhados com o esforço de corte de impostos nos próximos meses e no ciclo eleitoral de meio de mandato em 2026.
“Dizer às pessoas que elas terão menos dinheiro e pagarão mais não me parece uma mensagem otimista”, afirmou um assessor republicano do Senado de forma concisa.
No Brasil o “imposto das blusinhas”refere-se a uma discussão econômica sobre tributos que afetam produtos acessíveis, como roupas compradas em sites internacionais, que são especialmente populares entre o público de classe média. Assim como o “doll talk” (falar sobre bonecas) de Trump, ambos os termo simplifica uma questão econômica complexa (neste caso, impostos sobre importações) em um exemplo cotidiano que, embora familiar, pode parecer desconectado ou reduzir as dificuldades financeiras das pessoas. Ambos os casos ilustram como uma escolha de metáfora ou exemplo pode não ressoar bem com o público-alvo, parecendo insensível ou distante das reais preocupações econômicas