JCEDITORES – Em 2024, os Estados Unidos registraram uma redução significativa de 27% nas mortes por overdose, caindo de 110.035 em 2023 para 80.391, conforme dados do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Trata-se da menor taxa em cinco anos, uma conquista impulsionada por esforços como o acesso ampliado à Naloxona, regulamentações mais rigorosas sobre prescrições de opioides e combate ao tráfico de fentanil ilícito.
Apesar dessa boa notícia, a crise de overdoses continua a afetar desproporcionalmente trabalhadores braçais de baixo extrato social, especialmente homens, revelando uma interseção complexa entre condições de trabalho, pobreza e disparidades raciais.
Dados do CDC permitem explorar as razões por trás dessa queda, com foco nos trabalhadores braçais, as dinâmicas raciais e os desafios que persistem, destacando que as overdoses frequentemente não são uma “fuga da realidade”, mas sim uma consequência de lesões laborais e vulnerabilidades socioeconômicas.

Desigualdades regionais: a queda de não foi sentida em todos os estados americanos
A redução de 27% nas mortes por overdose em 2024 é um marco na luta contra a crise de opioides, que há décadas assola os EUA. Segundo o CDC, fatores como a distribuição de Naloxona – um medicamento que reverte overdoses de opioides –, a expansão de programas de tratamento, como o Overdose Data to Action, e a intensificação do combate ao fentanil, responsável por cerca de 70% das mortes, foram cruciais.
Estados como Ohio, Louisiana e Michigan registraram quedas superiores a 35%, refletindo o impacto de políticas públicas robustas, como regulamentações sobre prescrições de opioides e acesso a cuidados de saúde via Medicaid. No entanto, a crise permanece como a principal causa de morte entre norte-americanos de 18 a 44 anos, e alguns estados, como Alaska (+40%) e Oregon (+5%), viram aumentos, indicando que os desafios estão longe de superados.
Trabalhadores Braçais: As Vítimas Invisíveis da Crise
Um dos aspectos menos discutidos da crise de opioides é seu impacto desproporcional sobre homens em ocupações braçais, como construção, mineração, agricultura e manufatura. Esses trabalhadores enfrentam riscos elevados de lesões laborais, como dores crônicas por esforço repetitivo ou acidentes, que frequentemente levam a prescrições de opioides.
Dados do CDC (2020–2022) mostram que trabalhadores manuais recebem opioides em taxas mais altas para tratar dores relacionadas ao trabalho, o que pode desencadear dependência. Um relatório de 2021 do CDC revelou que 60% das overdoses fatais em homens começaram com opioides prescritos, com muitos casos evoluindo para o uso de fentanil ilícito, especialmente em comunidades de baixo extrato social.
Diferentemente do estereótipo de uso recreativo de drogas, essas overdoses não refletem uma busca por “fuga da realidade”, mas sim uma consequência direta das condições de trabalho e da falta de alternativas para o manejo da dor.
Muitos desses homens vivem em comunidades economicamente deprimidas, como as regiões de Appalachia (West Virginia, Kentucky) e o Cinturão da Ferrugem (Ohio, Pensilvânia), onde o declínio de indústrias tradicionais, como mineração e manufatura, agravou a vulnerabilidade socioeconômica. Nessas áreas, o acesso a clínicas de reabilitação é limitado, e o tráfico de fentanil ilícito é prevalente, aumentando o risco de overdoses fatais.
A queda de 2024 trouxe alívio para alguns desses trabalhadores, especialmente em estados como Ohio, onde programas de redução de danos, como distribuição de naloxona e regulamentações mais rígidas sobre opioides, resultaram em uma queda de aproximadamente 36%. No entanto, em estados como Alaska e Oregon, trabalhadores braçais, incluindo pescadores e operários, continuam enfrentando riscos elevados devido à disseminação de comprimidos falsificados contendo fentanil, que se tornaram uma ameaça crescente em comunidades de baixa renda.
Disparidades Raciais
A crise de overdoses também revela disparidades raciais significativas, com impactos variados entre homens de diferentes grupos étnicos, todos influenciados por fatores socioeconômicos. Segundo o CDC, homens brancos não-hispânicos historicamente lideram as taxas de overdose, com uma taxa ajustada por idade de 50,2 por 100.000 em 2022, a mais alta entre os grupos raciais.
Muitos são trabalhadores braçais em regiões rurais, como Appalachia e o Cinturão da Ferrugem, onde lesões laborais e prescrições de opioides são comuns. O declínio econômico dessas áreas, marcado pelo fechamento de minas e fábricas, criou um ambiente propício para a dependência de opioides e a transição para o fentanil ilícito. A queda de 2024 foi particularmente pronunciada para esse grupo em estados com programas robustos, como Ohio e Louisiana, mas as taxas permanecem elevadas em áreas como West Virginia.
Por outro lado, homens negros enfrentam um aumento alarmante nas taxas de overdose, especialmente em áreas urbanas. Em 2022, a taxa ajustada por idade para homens negros foi de 45,9 por 100.000, um aumento de 20% em relação a 2019. Diferentemente dos brancos, as overdoses entre homens negros frequentemente envolvem polissubstâncias, como fentanil misturado com cocaína, refletindo padrões de uso em comunidades urbanas de baixo extrato social.
Barreiras como desemprego, histórico de encarceramento e acesso limitado a cuidados de saúde agravam o risco. Dados preliminares de 2024 sugerem que, em estados como Washington e Oregon, as taxas de overdose entre homens negros continuaram subindo, indicando que as intervenções, como acesso à naloxona, ainda não alcançaram plenamente essas comunidades.
Homens hispânicos, embora com taxas menores (35,6 por 100.000 em 2022), também enfrentam riscos crescentes, particularmente em estados como Nevada e Califórnia. Muitos são trabalhadores braçais em setores como construção e agricultura, onde lesões laborais levam a prescrições de opioides.
A exposição ao fentanil ilícito, frequentemente misturado a outras drogas, tem impulsionado o aumento de overdoses em comunidades latinas de baixa renda. A queda de 2024 beneficiou esse grupo em estados com fortes programas de redução de danos, mas a vulnerabilidade persiste em áreas com tráfico intenso de fentanil.
Embora menos representados nos dados nacionais, homens nativos americanos enfrentam taxas desproporcionalmente altas, com 55,3 por 100.000 em 2022, especialmente em estados como Alaska e South Dakota. A pobreza extrema, o acesso limitado a cuidados de saúde e as condições de trabalho em reservas indígenas contribuem para essa disparidade, que provavelmente continuou em 2024.
A interseção entre raça, gênero e extrato social é central para entender a crise de overdoses. Homens brancos de baixo extrato social dominam as estatísticas em áreas rurais devido a lesões laborais, desemprego e acesso ao fentanil, mas a queda de 2024 sugere que intervenções como naloxona e regulamentações de opioides estão funcionando para esse grupo. Homens negros e hispânicos de baixo extrato social, por outro lado, enfrentam riscos crescentes em áreas urbanas, agravados por barreiras, como racismo e acesso limitado a tratamento.
Independentemente da raça, trabalhadores braçais em ocupações de baixa remuneração são particularmente vulneráveis, pois as lesões laborais e a transição de opioides prescritos para ilícitos formam um ciclo perigoso em comunidades pobres, sejam rurais ou urbanas.
O inicio não foi uma “fuga da realidade”, mas para tratar lesões decorrentes das péssimas condições laborais
Apesar da redução de 27% nas mortes por overdose, a crise de opioides permanece uma emergência de saúde pública, especialmente para trabalhadores braçais de baixo extrato social. A prevalência do fentanil ilícito, a falta de acesso a clínicas de reabilitação em áreas rurais e urbanas marginalizadas e as disparidades raciais no acesso a cuidados de saúde continuam sendo obstáculos. Estados como Alaska, Oregon, Utah, Washington e South Dakota, que registraram aumentos em 2024, destacam a necessidade de intervenções mais direcionadas, especialmente para comunidades de baixa renda expostas a comprimidos falsificados.

Para enfrentar esses desafios, é essencial expandir o acesso a tratamentos baseados em evidências, como buprenorfina e metadona, e investir em programas de prevenção que abordem as causas estruturais da crise, como pobreza e condições de trabalho precárias. Além disso, campanhas educativas que desmistifiquem o estigma do uso de opioides, destacando que muitos casos começam com prescrições médicas, podem incentivar trabalhadores a buscar ajuda precoce. A colaboração entre governos, organizações de saúde e comunidades locais será crucial para sustentar os ganhos de 2024 e reduzir ainda mais as mortes por overdose.
A queda de 27% nas mortes por overdose em 2024 é uma conquista significativa, mas a crise de opioides continua a revelar as desigualdades socioeconômicas e raciais nos Estados Unidos. Homens trabalhadores braçais, sejam brancos em áreas rurais, negros em centros urbanos ou hispânicos em setores de construção, são as principais vítimas, não por buscarem “fuga da realidade”, mas por enfrentarem lesões laborais e condições de vida precárias.
Os dados do CDC destacam a importância de intervenções como naloxona e regulamentações de opioides, mas também apontam para a necessidade de abordar as raízes estruturais da crise. À medida que celebramos esse progresso, devemos reconhecer que a luta está longe de terminar, especialmente para aqueles que carregam o peso do trabalho manual e da pobreza.