JSNEWS (JUNOT) – Em Framingham, no estado americano de Massachusetts, o medo tem nome, endereço e um formulário. É o medo de ser arrancado de casa, de ser jogado num voo de volta a um país que já não é lar, de deixar os filhos para trás. Aqui, no meio do vaivém da comunidade imigrante, famílias estão tomando uma decisão que corta o coração: escolher quem vai cuidar das crianças se o pior acontecer. Não é uma possibilidade distante. É o eco das sirenes do ICE, o Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA, que nos últimos meses tornou as batidas policiais um espetáculo público, um recado claro para quem vive na corda bamba da documentação.
A brasileira Liliane Costa, que comanda o Centro Brasileiro-Americano, não mede palavras: “Eles têm que estar prontos.” Em abril, uma única família bateu à porta do centro pedindo um documento de autorização de cuidador. Em junho, foram 63. “É o pavor de não saber o que vai ser dos filhos se te pegarem”, ela diz, com a voz firme, mas carregada de quem já viu muita história se desenrolar. O centro virou ponto de apoio, um lugar onde a burocracia encontra a angústia. Pais e mães chegam com olhares pesados, pensando no que fazer se forem detidos ou deportados. Voltar com os filhos para um lugar que fogem, onde a violência ou a miséria esperam? Ou deixar as crianças aqui, com alguém de confiança, e carregar o vazio da separação?
As opções não são simples. Mirian Albert, advogada da Lawyers for Civil Rights, explica com clareza didática: “O documento de autorização de cuidador não tira os direitos dos pais.” É um papel que dá a alguém próximo o poder de decidir sobre escola, médico, essas coisas do dia a dia. Há também o formulário de agente temporário e, no extremo, a guarda legal. O primeiro é o mais usado – é rápido, não custa uma fortuna. Mas tem prazo: dois anos. Depois, é outra luta.
Augusto Tome, notário do centro, brasileiro como muitos que atende. Ele não só assina os papéis, mas carrega a história. “Minha mulher ficou três meses presa pelo ICE ano passado”, conta, com a voz embargada. Mãe dos dois filhos dele, ela voltou, mas a marca ficou. Augusto também é o cuidador escolhido pelos filhos do primo. “Trabalho aqui há seis anos. Amo ajudar. Já passei por isso, sei o que é o desespero”, diz. Ele conhece o cheiro do medo, a sensação de imaginar os filhos à deriva. “É duro, porque a gente se coloca no lugar deles.”
O formulário é uma tábua de salvação. Evita que as crianças caiam no sistema de acolhimento, o famoso “foster care”, que pode ser um labirinto sem volta. Mas não é perfeito. Se os pais quiserem levar os filhos para se reunirem lá fora, o cuidador precisa de outro papel, uma autorização de viagem autenticada. Por enquanto, nenhum caso no centro chegou a esse ponto. Liliane, porém, não se ilude: “Do jeito que tá, é questão de tempo.”
Essa é a vida de quem vive na sombra da deportação. Um papel, uma assinatura, uma escolha que nenhum pai ou mãe deveria fazer. Em Framingham, a comunidade imigrante não para. Organiza-se, resiste, mas carrega o peso de um futuro que ninguém sabe como será.
Essa realidade foi retrata retratada em uma reportagem da emissora NBC 10 Boston nessa quinta-feira, 26.