
Se eu estivesse com meu caderno e minha câmera nas esquinas de Massachusetts Avenue e Melnea Cass Boulevard, a famigerada Mass and Cass, o que veria não seria novidade para quem já mergulhou nos abismos urbanos. Mas, ainda assim, ficaria chocado. Seringas espalhadas pelo chão, como se fossem folhas secas de outono. Pessoas curvadas, consumidas pelo vício, injetando drogas em plena luz do dia, enquanto famílias desviam o olhar, tentando proteger as crianças de uma realidade que ninguém deveria testemunhar. E, no meio disso tudo, a pergunta que não cala: onde está a prefeita Michelle Wu, que prometeu uma Boston segura para todos?
A história que Mass and Cass conta é de abandono. Em 2023, a prefeitura tentou varrer o problema para debaixo do tapete, desmontando os acampamentos de barracas que se formaram na área. Mas, como quem enxuga gelo, o problema não sumiu — apenas escorreu para os bairros vizinhos, como South End e Roxbury.
A comissária de Saúde Pública, Bisola Ojikutu, jogou a toalha ao admitir o início essa semana a mídia local: “Nosso plano não funcionou”. E não funcionou mesmo. O que era para ser uma solução virou um pesadelo para os moradores, que agora convivem com fezes humanas nas calçadas, seringas descartadas e a violência que o tráfico traz como sombra. Jonathan Alves, líder comunitário, não poupa palavras: “É desumano. Para os viciados, para os moradores, para os comerciantes. Para todos.”
E enquanto isso, o que faz Michelle Wu? Em vez de enfrentar o monstro da dependência química com a coragem que a situação exige, a prefeita parece mais preocupada em posar para fotos com projetos de vitrine. Um estádio novinho para o futebol feminino, custando mais de 90 milhões de dólares, é tratado como prioridade, enquanto um centro de reabilitação, que poderia ser construído por uma fração desse valor, segue no limbo.
Ciclovias se multiplicam pela cidade, mas as ruas de Mass and Cass continuam reféns do caos. Wu, que no The Daily Show ousou dizer que Boston é “segura para todos”, parece alheia à realidade de quem pisa em agulhas ao levar os filhos à escola. A verdade, como sempre, está nas vozes das ruas. “Queremos zero seringas, zero consumo de drogas a céu aberto”, disse Alves, palavras que ficam sem resposta enquanto a prefeita, que deveria ser a primeira a ouvir. E olha que existe alternativas. A governadora Maura Healey está reduzindo os gastos com abrigos para migrantes, liberando recursos que poderiam ser injetados em programas de recuperação, em centros de apoio, em uma política séria contra o tráfico. Mas, para isso, é preciso vontade. É preciso liderança. E, até agora, Michelle Wu não mostrou nem uma coisa, nem outra.
Mass and Cass não é só um endereço — é um termômetro de Boston. Um termômetro que mostra uma cidade doente, onde os mais vulneráveis apodrecem nas ruas sob o efeito cruel do fentanil, que os transformam em zumbis dos quais os moradores vivem com medo.
Enquanto Michelle Wu sonha em ver gols no novo estádio, a população pede apenas o básico: dignidade. Se a prefeita não acordar para essa realidade, Boston continuará refém de uma crise que não perdoa os omissos. E a história, como sempre, cobrará seu preço, a conta chega. Os moradores dos bairros de Boston não pedem gestos simbólicos, mas sim uma administração que coloque a segurança e o bem-estar acima de projetos de prestígio.