JSNEWS – Na manhã de 7 de agosto de 2025, o presidente Donald Trump subiu ao púlpito virtual de sua plataforma Truth Social e lançou uma bomba política: uma ordem executiva para que o Departamento de Comércio inicie imediatamente um novo censo nos Estados Unidos, com uma diretriz clara e incendiária: “Pessoas que estão em nosso país ilegalmente NÃO SERÃO CONTADAS NO CENSO.” A declaração Trump reacendeu um debate que há décadas esquenta as divisões partidárias do país: o papel dos imigrantes indocumentados na distribuição do poder político.
Para os críticos, é uma manobra para redesenhar o mapa eleitoral em favor dos republicanos. Para seus apoiadores, é uma tentativa de “restaurar a justiça” em um sistema que, segundo eles, favorece desproporcionalmente os democratas. No centro da questão está uma verdade inegável: mesmo sem direito a voto, os cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados nos EUA têm um peso silencioso, mas significativo, na redistribuição do poder entre os estados.
O censo dos EUA, realizado a cada dez anos conforme manda a Constituição, não faz distinção entre cidadãos e não cidadãos. A 14ª Emenda é clara: deve-se contar “o número total de pessoas em cada estado”. Isso inclui os indocumentados, que, segundo estimativas do Departamento de Segurança Interna, somam 11 milhões, com concentrações expressivas em estados como Califórnia (2,6 milhões), Texas (2 milhões) e Flórida (590 mil). Esses números não apenas determinam quantas cadeiras cada estado recebe na Câmara dos Representantes, mas também influenciam o Colégio Eleitoral, que decide as eleições presidenciais, e a distribuição de trilhões de dólares em fundos federais para saúde, educação e infraestrutura.
Para entender o impacto, basta olhar para a Califórnia. Com 55 cadeiras na Câmara, o estado mais populoso do país deve parte de sua influência à contagem de sua vasta população imigrante, incluindo indocumentados. Um estudo do Pew Research Center de 2020 estimou que, se os indocumentados fossem excluídos do censo, a Califórnia perderia pelo menos uma cadeira no Congresso, assim como Texas e Flórida.
Essa redistribuição não é trivial: menos cadeiras significam menos votos no Colégio Eleitoral e, consequentemente, menos peso em eleições presidenciais. Estados com populações imigrantes menores, como Alabama ou Ohio, poderiam ganhar cadeiras, alterando o equilíbrio de poder.
Esse mecanismo cria um paradoxo que Trump e seus aliados exploram com fervor: os indocumentados, que não podem votar, amplificam a voz política de estados onde estão concentrados, muitos dos quais são redutos democratas. “É inconcebível que imigrantes ilegais sejam contados para o apportionment e o mapa eleitoral”, declarou Trump em seu anúncio, ecoando uma crítica recorrente entre republicanos. A senadora Marjorie Taylor Greene, uma de suas aliadas mais fiéis, foi além, introduzindo a Lei de ‘Eleições Americanas Fortes’, que propõe contar apenas cidadãos para o censo, uma medida que, segundo ela, “corrigiria uma injustiça histórica”.
Benefícios Eleitorais Observáveis para os Democratas
A narrativa republicana é clara: a inclusão de indocumentados no censo dá aos democratas uma vantagem eleitoral injusta. E há dados que sustentam essa percepção, pelo menos em parte. Estados como Califórnia, Nova York e Illinois, todos com grandes populações de indocumentados e historicamente alinhados aos democratas, têm se beneficiado de cadeiras adicionais no Congresso. Um relatório da Federation for American Immigration Reform (FAIR), estima que a Califórnia ganhou de 4 a 5 cadeiras extras devido à sua população indocumentada.
Nova York, com cerca de 800 mil indocumentados, também mantém uma representação robusta, com 26 cadeiras na Câmara. Esse benefício se estende ao Colégio Eleitoral. Em 2020, a Califórnia teve 54 votos eleitorais, refletindo sua população total, incluindo indocumentados. Se esses residentes fossem excluídos, estados democratas poderiam perder influência em eleições presidenciais apertadas. Além disso, no nível estadual, o redesenho dos distritos eleitorais (redistricting) é baseado na população total, o que significa que distritos com muitos indocumentados podem ter menos eleitores cidadãos, mas ainda assim eleger representantes – frequentemente democratas – com o mesmo peso que distritos rurais, mais homogêneos e mais americanos que extrangeiros.
Essa dinâmica alimenta a percepção de que os democratas têm um incentivo implícito para tolerar, ou até encorajar, a imigração indocumentada. Durante o governo Obama, a criação do DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals) protegeu cerca de 700 mil jovens indocumentados da deportação, permitindo que permanecessem nos EUA e fossem contados no censo. Cidades governadas por democratas, como São Francisco e Chicago, adotaram políticas de “cidades-santuário”, limitando a cooperação com autoridades de imigração.
Em 2019, quando Trump tentou incluir uma pergunta sobre cidadania no censo de 2020, democratas lideraram a resistência, argumentando que isso desencorajaria a participação de imigrantes e levaria a uma contagem menos precisa. A Suprema Corte bloqueou a iniciativa, e o censo seguiu contando todos os residentes. Para críticos como Stephen Miller, ex-assessor de Trump, essas ações formam um padrão claro.
Em um post no X em 7 de agosto de 2025, Miller afirmou que os democratas “ganharam 20 a 30 cadeiras na Câmara graças à contagem de ilegais no censo de 2020”. Embora o número de 20 a 30 cadeiras seja exagerado – análises como a do Cato Institute sugerem um impacto de 3 a 5 cadeiras no total –, a percepção de uma vantagem democrata é amplificada por figuras como Miller e ecoada por apoiadores de Trump.
Mas a história não é tão simples. Estados republicanos como Texas e Flórida também se beneficiam da contagem de indocumentados. O Texas, com 38 cadeiras na Câmara, ganhou duas cadeiras após o censo de 2020, em parte devido ao crescimento populacional impulsionado por imigrantes, incluindo os 2 milhões de indocumentados estimados no estado. A Flórida, com 590 mil indocumentados, também viu sua representação aumentar. Esses ganhos não se traduzem automaticamente em poder democrata, já que legislaturas estaduais controladas por republicanos, como no Texas, redesenham distritos para maximizar sua vantagem, uma prática conhecida como gerrymandering.
Mark Jones, cientista político do Baker Institute, observa que “os estados mais prejudicados por não contar indocumentados seriam Texas e Flórida, ambos estados vermelhos”. Isso sugere que a ordem de Trump, se implementada, poderia ser uma espada de dois gumes, reduzindo o poder político de estados republicanos tanto quanto de estados democratas. Ernesto Sagás, especialista em imigração da Colorado State University, vai além: “Parece uma boa estratégia para os republicanos, mas pode sair pela culatra. É uma faca que corta dos dois lados.”
A Guerra do Redistritamento
A ordem de Trump não surge no vácuo. Ela é parte de uma batalha mais ampla pelo redesenho dos mapas eleitorais antes das eleições de meio de mandato de 2026. No Texas, republicanos estão pressionando por um novo redesenho que poderia garantir até cinco cadeiras adicionais para o partido, aproveitando o crescimento populacional do estado. Mais de 50 legisladores democratas do Texas fugiram para estados democratas, como Illinois e Nova York, para impedir o quórum necessário para a votação, enquanto o governador republicano Greg Abbott ameaça prendê-los.
Em resposta, governadores democratas como Gavin Newsom, da Califórnia, e Kathy Hochul, de Nova York, sinalizaram que podem retaliar com seus próprios redesenhos, intensificando o que analistas chamam de “guerra do redistricting”. Trump, em uma entrevista à CNBC, reforçou sua posição: “Nós vencemos o Texas. Tive a maior votação da história do Texas, e temos direito a mais cinco cadeiras.”
Sua ordem para um novo censo parece ser uma tentativa de fornecer dados que justifiquem esses redesenhos, excluindo indocumentados para reduzir a representação de áreas urbanas, que tendem a ser democratas. No entanto, especialistas como Terri Ann Lowenthal, consultora de censo, alertam que “Trump não pode ordenar unilateralmente um novo censo. O censo é regido por lei, não pela vontade presidencial.”
A logística também é um obstáculo: o censo de 2020 custou quase US$ 14 bilhões e levou anos para ser preparado. Um novo censo antes de 2030 seria, nas palavras de Jeffrey Wice, da New York Law School, “quase impossível logisticamente”.
As Sombras do Passado
Essa não é a primeira vez que Trump tenta moldar o censo a seu favor. Em sua primeira administração, ele propôs uma pergunta sobre cidadania no censo de 2020, que foi bloqueada pela Suprema Corte em 2019 por falta de justificativa suficiente. Mais tarde, tentou excluir indocumentados da contagem para apportionment, mas a iniciativa foi derrubada por tribunais inferiores e considerada “prematura” pela Suprema Corte após sua derrota eleitoral. Agora, com uma Corte Suprema de maioria conservadora e um ambiente político ainda mais polarizado, Trump parece disposto a dobrar a aposta.
Os democratas, por sua vez, prometem resistência. O líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, chamou a ordem de “um golpe no censo” projetado para “apagar comunidades inteiras da história americana”. Grupos de direitos civis, como o Mexican American Legal Defense and Educational Fund, já preparam ações judiciais, argumentando que a exclusão de indocumentados viola a Constituição. A batalha jurídica promete ser longa, com a Suprema Corte como provável árbitro final.
Além das cadeiras no Congresso, a exclusão de indocumentados do censo teria consequências práticas. Estados como Califórnia e Texas poderiam perder bilhões em fundos federais, que são alocados com base na população total. Escolas, hospitais e infraestrutura em áreas com muitos imigrantes seriam diretamente afetados, impactando não apenas indocumentados, mas cidadãos e residentes legais. Sean Moulton, do Project on Government Oversight, alerta: “Se não contarmos todos, acabamos gastando mal nosso dinheiro em infraestrutura, hospitais e escolas, prejudicando a todos.”
Para as comunidades imigrantes, a ordem de Trump já cria medo. Kevin R. Johnson, professor de direito da UC Davis, observa que “muitos imigrantes, legais ou não, podem evitar contato com recenseadores por medo, resultando em dados menos confiáveis”.
Um censo impreciso não apenas distorce a representação política, mas também compromete o planejamento de políticas públicas.
No final, a ordem de Trump é mais do que uma disputa sobre números; é um capítulo na guerra cultural e política que define os EUA em 2025. Para os republicanos, é uma chance de corrigir o que veem como uma distorção que favorece os democratas. Para os democratas, é um ataque à essência da democracia representativa. Enquanto as cortes, os estados e o Congresso travam essa batalha, uma coisa é certa: os indocumentados, que não têm voz no voto, continuam no centro de um debate que moldará o futuro político do país.