
Boston, 02 de Setembro de 2025 Em uma esquina movimentada de Framingham, Massachusetts, o aroma de pão de queijo e café fresco escapa de uma pequena lanchonete. Uma mulher de 38 anos, vinda de Minas Gerais, organiza bandejas de coxinhas com a precisão de quem já serviu milhares, enquanto o sol de fim de verão aquece a calçada. “No Brasil, eu trabalhava 12 horas por dia como empregada doméstica, mas nunca consegui guardar nada. Aqui, eu posso tentar algo meu”, diz ela, limpando o suor da testa. A poucos quilômetros dali, em um terreno empoeirado de Somerville, um brasileiro de 42 anos, ex-mecânico de São Paulo, exibe um Ford 2021 recém consertado a um cliente. “Aqui, eu vendo um carro e o dinheiro é meu. Posso reinvestir, crescer”, conta, orgulhoso do pequeno negócio de compra e venda de carros que construiu.
Essas histórias, carregadas de esperança e resiliência, contrastam com uma pesquisa recente do The Wall Street Journal, que revela que 70% dos americanos acreditam que o sonho americano — a promessa de que o trabalho árduo leva à mobilidade social, prosperidade e uma vida melhor — “não é mais verdadeiro ou nunca foi”.
Esse é o maior índice de descrença em 15 anos, atravessando divisões demográficas e partidárias, com 90% dos democratas e 55% dos republicanos pessimistas. Mas, ao focar em símbolos materiais como casas e carros, a pesquisa pode estar perdendo de vista a essência do sonho americano, definida por James Truslow Adams em 1931 como “uma terra em que a vida deveria ser melhor, mais rica e mais completa para todos, com oportunidades para cada um de acordo com sua capacidade ou realização”.
Para esses imigrantes brasileiros, o sonho não é sobre acumular bens, mas sobre a liberdade de fazer escolhas e assumir os riscos que vêm com elas — uma liberdade que, como alertou Benjamin Franklin, é sacrificada em estados intervencionistas como o Brasil, onde a burocracia sufoca a iniciativa.
A Pesquisa e o Viés Materialista
A pesquisa do The Wall Street Journal, embora não detalhe sua metodologia completa, provavelmente envolveu uma amostra representativa de milhares de americanos, questionados sobre sua capacidade de alcançar marcos tradicionais do sonho americano, como comprar uma casa, pagar por educação ou garantir um futuro melhor para os filhos. Esses indicadores, frequentemente associados a bens materiais, são mensuráveis e refletem mobilidade social, mas podem distorcer a percepção do sonho, reduzindo-o a um ideal consumista.
A ênfase em posses reflete a cultura americana pós-Segunda Guerra Mundial, quando a expansão da classe média associou prosperidade a casas suburbanas e carros reluzentes. No entanto, a crise atual — com moradias custando em média US$ 400 mil em muitas regiões, dívidas estudantis de US$ 30 mil por pessoa e uma desigualdade que concentra riqueza no 1% mais rico — sugere que a desilusão vai além da incapacidade de “ter”. Como observa o professor de economia de Stanford, Neale Mahoney, a perda do “otimismo incansável” dos EUA, que ele chama de “superpotência”, ameaça o empreendedorismo e a inovação que historicamente definiram o país.
A Definição Clássica: Liberdade e Risco
James Truslow Adams, em The Epic of America (1931), descreveu o sonho americano como um ideal centrado na liberdade de perseguir uma vida “melhor, mais rica e mais completa”, com oportunidades baseadas no mérito, não na acumulação de bens.
Para a brasileira de Framingham, essa liberdade se materializa na chance de abrir uma lanchonete, algo impensável no Brasil, onde a burocracia para abrir um negócio pode levar meses e consumir economias com taxas e alvarás. “Lá, você precisa de contatos ou dinheiro pra começar. Aqui, é só trabalhar duro e acreditar”, diz ela. Mas a liberdade vem com riscos: os aluguéis altos e a concorrência com grandes redes dificultam o crescimento de seu negócio. “Às vezes, sinto que o sonho é só pra quem já tem algo”, admite, mostrando a desilusão captada pela pesquisa.
Em Somerville, o vendedor de carros vive uma história semelhante. Após anos consertando veículos no Brasil, onde impostos e custos engoliam seus lucros, ele encontrou nos EUA um mercado onde sua iniciativa é recompensada. “No Brasil, eu nunca saía do lugar. Aqui, posso arriscar, investir”, explica, enquanto aponta para um carro que comprou por US$ 4 mil e revendeu por US$ 10 mil. No entanto, o sucesso exige sacrifícios: jornadas de 14 horas, incertezas como imigrante e o medo de políticas anti-imigração, como as de Donald Trump em seu segundo mandato, que prometem deportações em massa. Para ele, o sonho americano é a liberdade de tentar, mesmo sabendo que o fracasso é uma possibilidade. “Você é livre pra correr atrás, mas ninguém garante que vai dar certo”, reflete.
Liberdade vs. Segurança: O Alerta de Franklin
Benjamin Franklin, um dos fundadores dos EUA, capturou a essência desse ideal ao alertar: “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” No Brasil, um estado intervencionista classificado como apenas “moderadamente livre” no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, a iniciativa é sufocada por uma carga tributária de 33% do PIB e um ranking de 124º em facilidade de fazer negócios, segundo o Banco Mundial.
A burocracia, a corrupção e a falta de infraestrutura limitam escolhas, forçando muitos a trocar autonomia por uma segurança precária, como empregos informais ou dependência de programas sociais. Para os imigrantes de Framingham e Somerville, o sonho americano é atraente exatamente porque os EUA oferecem um ambiente onde a liberdade de arriscar é mais acessível, mesmo com suas imperfeições.
A Crise do Sonho Americano
A pesquisa do The Wall Street Journal reflete uma crise de confiança, mas seu foco em bens materiais pode estar negligenciando o que torna o sonho americano único: a liberdade de fazer escolhas.
As histórias dos brasileiros em Massachusetts mostram que, mesmo enfrentando barreiras — aluguéis altos, concorrência, políticas migratórias —, a possibilidade de tentar já é uma conquista. No entanto, a desilusão é real: o custo de vida, com moradias e educação fora de alcance, e a desigualdade crescente criam a percepção de que a liberdade não é mais suficiente. Como aponta a socióloga Michèle Lamont, de Harvard, gerações mais jovens estão redefinindo o sonho, valorizando inclusão, autenticidade e bem-estar acima de marcos materiais. Para elas, o sonho é menos sobre possuir e mais sobre viver com liberdade e propósito.
As histórias de Framingham e Somerville revelam que o sonho americano não morreu, mas está em transformação. Para a empreendedora, cada cliente que elogia seu pão de queijo é uma pequena vitória, uma prova de que sua escolha valeu a pena.
Para o vendedor de carros, cada veículo revendido é um passo adiante, construído com suor e sem as amarras do Brasil. Nos EUA, a liberdade de arriscar, falhar e tentar novamente ainda pulsa, mesmo em meio à desilusão captada pela pesquisa.
Como Franklin sugeriu, o sonho americano só faz sentido para quem valoriza a liberdade acima de garantias. Em um mundo onde estados intervencionistas, como o Brasil, limitam escolhas, o ideal americano, apesar de suas falhas, permanece uma promessa singular — não de bens, mas de possibilidades.


