
Em um discurso firme e carregado de simbolismo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu à tribuna da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, para defender a democracia, a soberania e a luta contra as desigualdades globais. Diante de líderes mundiais, Lula alertou para a crise do multilateralismo, condenou violações do direito internacional e posicionou o Brasil como protagonista na busca por um mundo mais justo e sustentável. O tom, ao mesmo tempo combativo e esperançoso, reforçou a imagem de um líder que busca resgatar a relevância da ONU em tempos de polarização e conflitos.
Lula abriu sua fala com um diagnóstico contundente: os ideais que inspiraram a criação da ONU, em 1945, estão ameaçados como nunca antes. Ele apontou a “política do poder” — marcada por sanções unilaterais, intervenções arbitrárias e atentados à soberania — como uma ameaça à ordem internacional. “A autoridade desta Organização está em xeque”, declarou, defendendo a necessidade de uma reforma ampla, incluindo um Conselho de Segurança mais representativo.
O presidente brasileiro traçou um paralelo entre a crise global e o enfraquecimento da democracia, alertando para o avanço de forças autoritárias que promovem violência, desinformação e ataques à imprensa. Em um recado direto ao cenário doméstico, Lula celebrou a resiliência da democracia brasileira, reconquistada após a ditadura militar (1964-1985). Ele destacou a recente condenação de um ex-chefe de Estado por atentar contra o Estado Democrático de Direito, uma referência implícita ao ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado e julgado em um processo que, segundo Lula, garantiu“amplo direito de defesa”.“Não há pacificação com impunidade”, afirmou, em uma mensagem que reverberou tanto no plenário da ONU quanto nas manchetes brasileiras. Ele também criticou ingerências externas, acusando a extrema direita global de conspirar contra a soberania nacional.
Fome, Desigualdade e Justiça Climática
Um dos momentos mais aplaudidos do discurso foi a celebração da saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO em 2025, uma conquista atribuída às políticas sociais de seu governo. Lula aproveitou para reforçar a Aliança Global contra a Fome, lançada no G20, que já reúne 103 países. “A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza”, disse, em um apelo à solidariedade global. O presidente também defendeu uma revisão das prioridades internacionais, incluindo o alívio da dívida externa de países pobres, especialmente africanos, e a criação de um sistema global de tributação para os super-ricos. “A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo”, destacou, conectando justiça social à estabilidade democrática.
Na agenda climática, Lula posicionou o Brasil como líder, destacando a redução de 50% no desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos e o compromisso de cortar emissões entre 59% e 67% até 2030. Ele anunciou a COP30, que será realizada em Belém, como a “COP da verdade”, onde líderes mundiais serão cobrados por compromissos concretos. O presidente também propôs o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, uma iniciativa para remunerar países que preservam suas florestas, e defendeu a criação de um conselho climático vinculado à Assembleia Geral da ONU.
Censura Digital e Conflitos Globais
Lula abordou a urgência de censurar plataformas digitais, descritas como uma “terra sem lei” que amplifica intolerância, desinformação e crimes como pedofilia e tráfico humano. Ele celebrou a recente promulgação de uma lei brasileira para proteger crianças e adolescentes no ambiente virtual, uma das mais avançadas do mundo, e defendeu uma governança multilateral para a inteligência artificial, alinhada ao Pacto Digital Global da ONU. Na esfera internacional, o presidente reiterou o compromisso do Brasil com a paz na América Latina, criticando a equiparação entre criminalidade e terrorismo e defendendo a cooperação contra a lavagem de dinheiro e o tráfico de armas. Ele pediu diálogo na Venezuela, estabilidade no Haiti e a retirada de Cuba da lista de países patrocinadores do terrorismo.
Sobre conflitos globais, Lula foi enfático ao condenar o que ele chama de “genocídio” em Gaza, criticando a cumplicidade de potências ocidentais e o uso da fome como arma de guerra. Embora tenha condenado os ataques do Hamas, ele defendeu a criação de um Estado palestino independente, uma posição apoiada por mais de 150 países da ONU.
Na Ucrânia, o presidente apostou em uma solução negociada, destacando o Grupo de Amigos da Paz, criado por Brasil e China, como uma via para o diálogo.
Um Mundo Multipolar e Multilateral
Encerrando seu discurso, Lula prestou homenagem ao ex-presidente uruguaio Pepe Mujica e ao Papa socialista Francisco, falecidos neste ano, destacando seus legados humanistas. Ele evocou suas vozes para afirmar que o autoritarismo, a desigualdade e a crise climática não são inevitáveis. “O amanhã é feito de escolhas diárias, e é preciso coragem para transformá-lo”, declarou.
O presidente defendeu um mundo multipolar, onde a confrontação não seja a regra, e destacou a importância de blocos como BRICS, G20, União Africana e CELAC. “A voz do Sul Global deve ser ouvida”, afirmou, reforçando a necessidade de uma ONU mais representativa e promotora da igualdade, paz e sustentabilidade.
Repercussão e Impacto
O discurso de Lula foi recebido com aplausos no plenário, mas também gerou reações polarizadas. Líderes do Sul Global, como os da África do Sul e da Índia, elogiaram a ênfase na justiça climática e na luta contra a fome. Já representantes de potências ocidentais, como os Estados Unidos, mantiveram silêncio sobre as críticas à política externa de seus países, especialmente na questão palestina. No Brasil, o discurso foi celebrado por aliados como uma afirmação da soberania nacional, mas setores da oposição criticaram a menção ao ex-presidente Bolsonaro como uma politização do palco global.
Analistas apontam que Lula conseguiu reforçar sua liderança internacional, mas o tom combativo pode intensificar tensões com nações como Israel e grupos conservadores domésticos. Com um discurso que combinou conquistas nacionais e ambições globais, Lula reafirmou o Brasil como um ator relevante no cenário internacional. Resta saber como suas propostas — da reforma da ONU à COP30 — serão recebidas em um mundo marcado por divisões e crises. Uma coisa é certa: o presidente brasileiro não teme usar a tribuna da ONU para defender sua visão de um futuro mais justo e multilateral dentro de sua ideologia socialista.