
Na 80ª Assembleia Geral da ONU, os discursos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos, expuseram, com clareza cortante, o abismo entre multilateralismo e isolacionismo. Lula defendeu uma ordem global colaborativa, centrada na justiça social e na reforma da ONU, enquanto Trump, com sua doutrina “América Primeiro”, questionou a relevância da organização e priorizou a soberania nacional. Os discursos, que refletem o choque entre globalismo e nacionalismo em um mundo fraturado.
Lula subiu ao púlpito com um discurso que exalta a ONU como o epicentro de um mundo mais justo, criticando sanções unilaterais e propondo reformas, como um Conselho de Segurança ampliado e um conselho climático. Sua visão de governança global, porém, escorrega para um terreno perigoso: a ideia de um sistema que taxe indivíduos e nações — os “super-ricos” — para redistribuir recursos a países em desenvolvimento, muitos sob regimes ditatoriais disfuncionais, soa como um passo rumo a uma ditadura global socialista.
Lula aponta o dedo para agentes externos, como os EUA, como culpados pelas mazelas globais, enquanto ignora que nações como o Brasil, atoladas em corrupção e ineficiência interna, raramente resolvem seus próprios problemas antes de culpar o “imperialismo”. Essa retórica, que flerta com a centralização de poder em organismos supranacionais, não é solução — é uma receita para erosão da soberania e para o financiamento de regimes que oprimem seus povos, sob o pretexto de justiça social.
Trump, em contrapartida, tratou a ONU como um clube caro e ineficaz, onde “mármore barato” encobre burocracia. Ele anunciou mais cortes de financiamento, como a saída dos EUA da UNRWA, e rejeitou qualquer agenda que ameace a soberania americana. Sua postura, carregada de queixas e provocações, é um tapa na cara do globalismo, mirando diretamente sua base doméstica. Mas, ao desdenhar a cooperação internacional, Trump arrisca isolar os EUA em um mundo que, quer ele goste ou não, exige algum grau de coordenação.
Lula joga xadrez global, mas sua aposta em uma governança que taxe nações e indivíduos para sustentar regimes falidos é um delírio ideológico que ignora a realidade: países que não consertam suas próprias casas não têm moral para pregar soluções globais. Trump, com seu nacionalismo bruto, acerta ao defender a autonomia, mas erra ao tratar o multilateralismo como inimigo, ignorando que até os EUA dependem de alianças em crises globais. A ideia de um “governo mundial” de Lula é tão utópica quanto perigosa; o isolacionismo de Trump, tão realista quanto míope. Ambos, ao culpar agentes externos por problemas internos, esquivam-se da responsabilidade de liderar com coerência.
Democracia e Soberania: Narrativas em Confronto
Lula vinculou a crise global ao avanço do autoritarismo, celebrando a democracia brasileira e a condenação de um ex-líder — um recado a Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Ele defendeu a soberania nacional, mas dentro de um marco multilateral, enfatizando a redução da fome como prova de que democracia não é só eleição, é justiça social.
Trump ignorou o debate sobre democracia global, focando na soberania americana como um dogma intocável. “Ninguém diz aos EUA o que fazer”, bradou, enquanto exaltava conquistas pessoais, como o suposto fim de “sete guerras” — uma afirmação que não resiste a cinco minutos de escrutínio. Seu discurso foi um monólogo para os eleitores de casa, com pouco apelo à plateia internacional.
Lula usa a democracia como bandeira universal, mas a menção a questões domésticas pode soar como politização barata no Brasil. Trump, ao evitar o tema, reforça a percepção de que sua prioridade é o poder americano, não valores compartilhados. Ambos falam de soberania, mas Lula a vê como meio, Trump como fim.
Conflitos Globais: Gaza e Ucrânia
Na Palestina, Lula foi cirúrgico: condenou o Hamas, mas classificou Gaza como “genocídio”, exigindo um Estado palestino e criticando o Ocidente. Sobre a Ucrânia, defendeu diálogo, destacando a iniciativa Brasil-China.
Trump pediu o fim da guerra em Gaza, mas rejeitou a resolução pró-Palestina, alinhando-se incondicionalmente a Israel. Na Ucrânia, ameaçou a Rússia, mas sugeriu mediação, flertando com a ideia de um Nobel da Paz — uma bravata que gerou risos contidos.
Lula alinha-se ao consenso de 150 nações, mas sua retórica incendiária sobre Gaza pode custar caro com os EUA. Trump, ao dobrar a aposta em Israel, isola os EUA, mas mantém a base conservadora. Na Ucrânia, ambos querem ser mediadores, mas Trump aparece mais como oportunista do que estadista.
Clima: Um Abismo Intransponível
Lula colocou o clima no coração de seu discurso, com a COP30 em Belém como prova de liderança e a redução do desmatamento como trunfo. Ele cobrou justiça climática, apontando o dedo para os ricos que poluem há séculos. Trump, em contrapartida, chamou a transição energética de “golpe da energia verde”, defendendo petróleo e gás e ridicularizando a Europa. “Seus países estão indo para o inferno”, disse, sem meias palavras.
Lula surfa na onda do consenso climático, mas sua pressão por recursos dos ricos pode esbarrar em resistências.
Trump, ao negar a crise climática, apela a setores econômicos domésticos, mas vira as costas para a maior prioridade global.
Lula saiu aplaudido pelo Sul Global, mas suas críticas ao Ocidente e a menção a questões internas podem inflamar tensões com os EUA e polarizar o Brasil. Trump, com seu discurso de palanque, reforçou a lealdade de sua base, mas alienou aliados europeus e nações em desenvolvimento. Protestos contra Trump em Nova York e o silêncio de líderes europeus mostram que sua estratégia tem limite.
Lula e Trump usaram a ONU para projetar visões inconciliáveis: um multilateralismo que busca unir, contra um nacionalismo que divide. Lula arrisca ao confrontar potências e flertar com ideias de governança global que cheiram a utopia socialista. Trump, com sua aposta no isolacionismo, fortalece a narrativa doméstica, mas isola os EUA em um mundo que exige cooperação. Em um planeta em ebulição, o contraste entre esses discursos é um alerta: sem pragmatismo, o abismo só cresce.
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