
Uma nova onda de vídeos no TikTok e outras redes sociais tem causado furor entre alguns cristãos evangélicos, que alertam sobre a possibilidade do “arrebatamento” – uma crença escatológica de que os fiéis serão levados ao céu antes de um período de tribulações na Terra – ocorrer em 23 ou 24 de setembro de 2025. A profecia, impulsionada por um pastor sul-africano e amplificada pelo algoritmo das redes sociais, reacende discussões sobre o fim dos tempos, enquanto outros reagem com ceticismo ou humor. Mas o que está por trás dessa febre digital? E por que agora? O que é o arrebatamento?
O conceito de arrebatamento, embora não mencionado diretamente na Bíblia, é derivado de passagens como 1 Tessalonicenses 4:16-17, que descreve os fiéis sendo elevados “nas nuvens” para encontrar Jesus. Segundo o estudioso bíblico Bart Ehrman, autor de Armageddon: What the Bible Really Says about the End, a palavra “rapture” (arrebatamento, em inglês) não aparece nas Escrituras, mas é central na teologia dispensacionalista, popular entre alguns grupos evangélicos, especialmente nos Estados Unidos.
Para esses crentes, o arrebatamento marca o início do fim dos tempos, com os “verdadeiros cristãos” sendo transportados ao céu, enquanto os não crentes enfrentam pragas, guerras e outros desastres na Terra. Nem todos os cristãos compartilham essa crença. Católicos, ortodoxos e muitas denominações protestantes tradicionais rejeitam a ideia de um arrebatamento literal, focando em interpretações diferentes das profecias bíblicas.
A origem da previsão atual
A atual onda de vídeos no TikTok parece ter sido desencadeada por um vídeo postado em junho de 2025 no YouTube pelo pastor sul-africano Joshua Mhlakela, do canal Cettwinz TV. No vídeo, que acumula mais de 560 mil visualizações até 22 de setembro, Mhlakela relata um sonho de 2018 no qual Jesus, sentado em um trono, teria dito que viria buscar sua igreja em 23 ou 24 de setembro de 2025. Ele conecta a profecia a eventos globais, sugerindo que o caos subsequente poderia até cancelar eventos como a Copa do Mundo de 2026.
A mensagem de Mhlakela ressoou no TikTok, onde o hashtag #RaptureTok explodiu, com mais de 320 mil vídeos. Usuários como christwillreturn, com 848 mil seguidores, compartilham apelos emocionados, como o de uma mulher que, em lágrimas, pede à amiga que se arrependa para não ser “deixada para trás“. Outro perfil, Christianquotes89, publica conselhos práticos para os não crentes que supostamente enfrentarão sete anos de tribulações após o arrebatamento, descrevendo um período “pior do que qualquer outro na história da humanidade”.
Contexto histórico e cultural
Previsões do arrebatamento não são novidade. Desde o século XIX, líderes religiosos e movimentos apocalípticos apontam datas específicas para o fim dos tempos, todas sem sucesso. Um exemplo marcante é o livro The Late Great Planet Earth, de Hal Lindsey, que se tornou o best-seller de não ficção dos anos 1970 nos EUA, segundo o The New York Times. Lindsey vinculava profecias bíblicas a eventos modernos, como conflitos em Israel, e popularizou a ideia de que a volta de Jesus seria precedida por uma guerra em Armagedom. Mais recentemente, a série Left Behind, que vendeu milhões de livros e inspirou um filme com Nicolas Cage, reforçou a narrativa de que os não crentes serão “deixados para trás”.
Eventos geopolíticos atuais, como a guerra de Israel contra os palestinos em Gaza, também alimentam essas especulações. Para alguns, esses conflitos são vistos como sinais do fim, lembrando as interpretações de Lindsey e outros teólogos dispensacionalistas. No entanto, segundo uma pesquisa do Pew Research Center de 2022, embora 47% dos cristãos nos EUA acreditem que estamos vivendo os “últimos dias”, 58% dos americanos rejeitam essa ideia.
Impacto psicológico e social
A assistente social clínica Josie McSkimming, autora de Leaving Christian Fundamentalism and the Reconstruction of Identity, destaca o impacto emocional dessas crenças, especialmente para ex-membros de igrejas fundamentalistas. “Tenho clientes que, mesmo após abandonarem essas crenças, sentem-se extremamente ansiosos e hipervigilantes quando ouvem familiares ou amigos falando sobre o fim dos tempos”, disse McSkimming à Al Jazeera. Ela observa que eventos como a guerra em Gaza podem reavivar traumas em pessoas criadas em ambientes que enfatizam o apocalipse.
No TikTok, as reações são mistas. Enquanto alguns vídeos refletem preocupação genuína, outros adotam um tom satírico, com conselhos como “deixe o celular desbloqueado para quem ficar” ou “compre roupas novas para o arrebatamento“. Essa polarização reflete tanto a fé sincera de alguns quanto o ceticismo de outros, amplificado pelo algoritmo das redes sociais, que favorece conteúdos emocionais e polêmicos.