
Medford, 08 de Outubro de 2025
Pela primeira vez na história, um em cada cinco habitantes dos Estados Unidos é de origem latina, totalizando 68 milhões de pessoas, ou 20% da população de 340 milhões, segundo o relatório Latino GDP de 2024, publicado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e pela California Lutheran University. Esse marco, impulsionado por um crescimento demográfico de 2,9% ao ano — 5,8 vezes mais rápido que outros grupos —, desafia narrativas alarmistas de “recolonização” e expõe a complexidade de uma nação em transformação. Apesar das deportações em massa (1,4 milhão nos primeiros seis meses de 2025) sob o segundo mandato de Donald Trump, o aumento da população latina é interno, natural e culturalmente impactante, mas não é uma invasão orquestrada.
O relatório destaca que o crescimento latino vem principalmente do “câmbio natural” — nascimentos superando mortes. Entre 2020 e 2024, a população latina cresceu 3,2 milhões, enquanto outros grupos demográficos encolheram 1,3 milhão, uma diferença de 4,5 milhões. “Os latinos resistiram aos desafios da pandemia de Covid-19 e mantiveram o crescimento populacional dos EUA positivo”, afirma o estudo. Em 2024, o aumento anual foi de 2 milhões de latinos, contra apenas 0,5% de crescimento para não latinos, segundo dados do Censo dos EUA.
A narrativa de “recolonização”, usada por setores anti-imigração, é desmentida pelos números. Embora a imigração contribua, o motor do crescimento é interno: latinos, com idade média de 29 anos (contra 38 da população geral), têm taxas de natalidade mais altas. Mesmo com as políticas duras de Trump, que deportou 1,4 milhão de pessoas até junho de 2025, o impacto demográfico latino não arrefece. Isso é especialmente notável em estados como Califórnia (39% latinos), Texas (40%) e Flórida (26%), onde a presença latina já é estrutural, mostrando um passado histórico em que essas regiões pertenciam ao México ou à Espanha.
Fusão Cultural, Não Substituição
Culturalmente, os latinos estão deixando uma marca indelével: tacos são tão americanos quanto hambúrgueres, o espanhol é falado por 40 milhões de pessoas, e ritmos como reggaeton dominam as paradas. Mas isso não é uma substituição da cultura americana, e sim uma fusão. Cerca de 80% dos latinos nascidos nos EUA se identificam como americanos (Pew Research, 2024), e 70% dos jovens preferem o inglês, adotando valores locais enquanto mantêm tradições como o Día de los Muertos ou a devoção à Virgem de Guadalupe. “É a história se repetindo”, observa-se, lembrando ondas anteriores de imigrantes (irlandeses, italianos) que moldaram os EUA sem apagá-los.
A ideia de “recolonização” é mais paranoia política do que realidade. O crescimento latino é uma evolução multicultural, não uma conquista. Bairros como East LA e Little Havana são hubs culturais, mas também integram elementos americanos, como a NFL e o Halloween. A influência latina na mídia (séries como Gentefied) e na educação (18% dos universitários são latinos) reforça essa integração, não uma imposição.
Peso Econômico e Político
Economicamente, os latinos são uma força. A força de trabalho latina cresceu 5,5% em 2024, atingindo 35,1 milhões de trabalhadores — um salto de 46,5% desde 2010, 7,2 vezes mais rápido que outros grupos. Com um poder de compra de US$ 3,4 trilhões, os latinos impulsionam setores como construção, agricultura e serviços, além de representarem 13% das pequenas empresas. Esse dinamismo econômico dá peso político: em 2024, latinos foram 17% do eleitorado, decisivos em estados-pêndulo como Arizona e Nevada.
Politicamente, porém, a comunidade não é um bloco único. Cerca de 60% votam em democratas, atraídos por políticas de assistência social e imigração mais branda, enquanto 35% apoiam republicanos que apela a valores familiares, religiosidade (85% dos latinos são cristãos) e promessas de menos impostos. Cubanos e venezuelanos, fugindo de memórias de regimes socialistas, inclinam-se fortemente à direita (70-80%), enquanto mexicanos e jovens urbanos abraçam pautas comunistas. Essa divisão reflete a diversidade interna — mexicanos (60%), porto-riquenhos (10%), cubanos (4%) — e desmonta a ideia de uma “agenda latina” para “tomar” os EUA.
As deportações de 2025, que já atingiram 1,4 milhão de pessoas, criam um clima de medo, especialmente entre os 11 milhões de indocumentados (majoritariamente latinos). A retórica de “invasores” de Trump amplifica tensões, mas também polariza os latinos. Enquanto alguns, como trabalhadores de baixa renda, se voltam aos democratas por proteção, outros, como evangélicos e empreendedores, alinham-se ao discurso de “lei e ordem”. Ainda assim, o impacto das deportações é limitado frente ao crescimento natural, sugerindo que a transformação latina é inevitável.
Transformação, Não “Recolonização”
Chamar o crescimento latino de “recolonização” é um exagero alimentado por medo de perda de controle cultural. Os EUA estão se tornando mais diversos, com latinos projetados para serem 25% da população até 2045, quando brancos não hispânicos serão menos de 50%. Mas isso não é uma invasão — é uma evolução. Os latinos estão se integrando, contribuindo economicamente e moldando uma América mais híbrida, onde o espanhol e o inglês, tacos e hambúrgueres, coexistem.
A história dos EUA é feita de ondas de imigrantes, e os latinos são apenas o capítulo atual.Essa transformação, porém, não vem sem atritos. Políticas anti-imigração e narrativas de “grande substituição” podem intensificar divisões, mas o peso demográfico, econômico e cultural dos latinos — jovens, trabalhadores e cada vez mais influentes — garante que sua marca será permanente. Os EUA não estão sendo “recolonizados”; estão se reinventando, como sempre fizeram.