
Boston, 18 de outubro de 2025 –
Milhões de americanos e residentes tomaram as ruas hoje em protestos contra o governo Trump, sob o lema “No Kings”, lembrando o espírito revolucionário de 1776. Mas para imigrantes – sejam residentes legais, estudantes internacionais ou indocumentados –, a participação vai além de um ato de cidadania: é uma escolha de risco calculado. Com o Departamento de Segurança Interna (DHS) e a Imigração e Alfândegas (ICE) expandindo um arsenal de vigilância digital, fotos compartilhadas em redes sociais ou rostos capturados por câmeras podem se transformar em dossiês para deportações.
Relatos recentes revelam que o ICE tem acelerado aquisições de tecnologias invasivas, incluindo softwares de hacking remoto e sistemas de inteligência artificial para monitorar movimentos e opiniões online. Essa escalada, intensificada após a reeleição de Trump, transforma protestos pacíficos em armadilhas potenciais para quem depende de vistos ou status imigratório. Defensores de direitos civis alertam: o que começa como um post patriótico pode acabar em uma ordem de remoção.
Nos últimos meses, o ICE assinou contratos milionários para ferramentas que vão de reconhecimento facial a rastreamento de localização sem mandado. Um exemplo é o acordo de US$ 3,75 milhões com a Clearview AI, que constrói bancos de dados com bilhões de imagens raspadas de redes sociais, permitindo que agentes identifiquem indivíduos em tempo real durante manifestações. Documentos federais mostram que esses sistemas são integrados a apps móveis, como o Mobile Fortify, usados por agentes no campo para escanear rostos ou impressões digitais instantaneamente.
Paralelamente, o spyware ganhou destaque. Em agosto, o ICE reativou um contrato de US$ 2 milhões com a Paragon Solutions, uma empresa israelense cujas ferramentas invadem smartphones remotamente, extraindo mensagens de apps criptografados como WhatsApp e Signal. Embora o foco oficial seja imigração, críticos apontam que, após uma ordem executiva de Trump designando o Antifa como “terrorismo doméstico“, essas tecnologias podem mirar ativistas em geral. “É uma receita para desastres”, disse Nathan Freed Wessler, da ACLU, referindo-se a falsos positivos que já levaram a prisões erradas.A
inteligência artificial eleva o risco a outro patamar. O novo ImmigrationOS, lançado esta semana pelo DHS, consolida dados de redes sociais, localização e biometria em uma plataforma única. Algoritmos analisam posts por “sentimento negativo” ou “inclinação para violência“, sinalizando perfis para priorização em deportações. Relatórios do DHS admitem 200 usos de IA em 2025, incluindo 16 casos de reconhecimento facial em imigração.
Em um país polarizado, onde protestos contra políticas de deportação em massa atraem multidões, uma selfie com uma faixa anti-ICE pode ser interpretada como “ameaça à segurança nacional”. Essas ferramentas não são novas – herança de administrações passadas –, mas sua expansão sob Trump as torna prescritivas: não só identificam, mas recomendam ações, como detenções ou negação de vistos. Senadores democratas, como Ron Wyden, expressaram “preocupação extrema” com o potencial para “pisotear direitos de americanos e inimigos rotulados por Trump”.
O Risco Calculado: Protestar Pode Custar a Permanência nos EUA
Para imigrantes, o dilema é palpável. A Primeira Emenda protege a liberdade de expressão, mas o status imigratório é uma ponte frágil. Renovações de vistos agora exigem escrutínio obrigatório de redes sociais, e cruzamentos com dados de protestos podem invocar a Seção 212(a)(3) da Lei de Imigração, que barra entrada por “atividades que ameaçam a segurança”. Centenas de casos em 2025 ilustram o impacto: mais de 6.000 vistos estudantis revogados por ativismo, e residentes legais detidos por posts críticos.Estudantes em vistos F-1 ou J-1 enfrentam o “Catch and Revoke”, uma política que revoga status por “suporte a ideologias anti-americanas”. Residentes com green cards, embora mais protegidos, podem ver seu status questionado em processos de naturalização. Indocumentados, já vulneráveis, viram alvos prioritários em raids pós-manifestações.
Abaixo, uma análise comparativa dos riscos, baseada em dados de 2025 do DHS e casos documentados:
Categoria | Risco de Detecção (Reconhecimento Facial + Redes Sociais) | Consequências na Renovação de Visto/Status | Pode ser deportado? | Exemplos Reais (2025) |
Residente Legal (Green Card) | Alto: Cruzamento de fotos com banco de dados DHS; análise de posts por “anti-americanismo”. | Revogação por “segurança nacional” (INA §212(a)(3)); detenção e processo de deportação. Pode apelar, mas demora anos. | Sim: Deportação possível, mesmo após anos nos EUA. | Mahmoud Khalil (Columbia): Green card revogado por protestos pró-Palestina; detido e processado. |
Estudante Estrangeiro (F-1/J-1 Visa) | Muito Alto: Vistos revogados em massa por protestos; social media vetting expandido desde maio 2025. | Revogação automática via “Catch and Revoke” por “ativismo social” ou “suporte a terrorismo”; emails urgentes para sair dos EUA. | Sim: Perda de status de estudante; deportação imediata, sem direito a estudos. | 300+ vistos revogados por protestos anti-Israel; Rümeysa Öztürk (Tufts): Detida na rua por posts. |
Indocumentado | Alto: Identificação em protestos leva a priorização para deportação; sem visto para renovar, mas afeta pedidos futuros (ex.: asilo). | Não renova (já irregular), mas detenção imediata; uso de dados para raids. Qualquer pedido de status é negado por “ameaça”. | Sim: Deportação forçada; barra de reentrada por 5-10 anos. | Alvos em raids pós-protestos em LA/NY; 8.000+ deportações de “críticos” em 2025. |
Entre o Medo e a Resistência
Em Boston, epicentro de um dos maiores protestos de hoje, ativistas como uma estudante iraniana (que pediu anonimato) ponderam: “Eu vim para estudar liberdade, mas postar uma foto pode me mandar de volta.” Organizações como a Electronic Frontier Foundation (EFF) recomendam máscaras e contas privadas, mas admitem: “A vigilância é corrosiva para a expressão”.
Ryan Shapiro, da Property of the People, considera isso uma “ameaça grave à democracia”, alertando que o ICE não monitora apenas imigrantes, mas também dissidentes em geral. Enquanto o dia termina no Boston Common, onde milhares protestaram pacificamente, a mensagem é clara: o direito de se manifestar existe, mas para imigrantes e estudantes internacionais, participar envolve um risco significativo. Com o sistema ImmigrationOS ativo e drones patrulhando cidades, uma simples postagem nas redes sociais pode desencadear consequências sérias, como deportação. Organizações de direitos civis pedem reformas, incluindo auditorias independentes e restrições ao uso dessas tecnologias contra cidadãos, mas, no atual governo, manter-se discreto online parece ser a única proteção garantida.