Por: JSNEWS, 21 de outubro de 2025
PARIS – Em um momento inédito para a política francesa, o ex-presidente Nicolas Sarkozy, de 70 anos, deu entrada na prisão de La Santé, no coração de Paris, na manhã desta terça-feira (21), tornando-se o primeiro ex-chefe de Estado da França desde a Segunda Guerra Mundial a cumprir pena de prisão efetiva.
Condenado a cinco anos por corrução e conspiração criminosa no escândalo de financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2007 pela Líbia de Muammar Gaddafi, Sarkozy saiu de casa por volta das 9h15 (horário local), saudado por uma multidão de apoiadores que entoava La Marseillaise e gritava seu nome, antes de embarcar no carro que o levou ao antigo presídio inaugurado em 1867.
Ao chegar à prisão, por volta das 9h40, Sarkozy foi recebido com gritos de “Bem-vindo, Sarkozy!” vindos das celas, um eco irônico de sua antiga estatura política.
Ele se despediu de sua esposa, a ex-modelo Carla Bruni, com um abraço visivelmente emocionado, carregando um saco com roupas e dez fotos de família – itens permitidos para sua cela individual na ala “VIP” (destinada a detentos vulneráveis), equipada com chuveiro privativo, TV, telefone fixo e cerca de 9 metros quadrados.
Por razões de segurança, ele ficará isolado, sem contato com outros presos, mesmo durante atividades ao ar livre.
O Caso Líbio: De Campanha Presidencial a Condenação Histórica
A condenação remonta a setembro de 2025, quando um tribunal de Paris julgou Sarkozy culpado de formar uma “associação criminosa” para obter fundos ilícitos do regime de Gaddafi, estimados em milhões de euros, para custear sua bem-sucedida campanha de 2007 – que o levou ao Eliseu contra Ségolène Royal. Embora absolvido de receber ou usar os fundos pessoalmente, o ex-presidente foi sentenciado a cinco anos de prisão (três efetivos, dois suspensos) mais uma multa de 150 mil euros (cerca de R$ 600 mil), com execução provisória devido à “gravidade excepcional” dos atos.
Sarkozy, que nega veementemente as acusações e as classifica como “vingança política”, recorreu da decisão, mas a lei francesa exige cumprimento imediato da pena nesse tipo de crime.
Seus advogados protocolaram um pedido de liberdade condicional logo após a entrada na prisão, com análise prevista em até dois meses – possivelmente em março de 2026.
“Não tenho medo da prisão. Vou manter a cabeça erguida, incluindo em frente às portas de La Santé. Vou lutar até ao fim”, declarou ele ao jornal La Tribune Dimanche na véspera.
Em postagem no X momentos antes de partir, reforçou: “Não é um presidente que está sendo encarcerado esta manhã, é um inocente. A verdade triunfará, mas o preço a pagar terá sido altíssimo.”
Dois ex-colaboradores foram condenados no mesmo processo: Brice Hortefeux (ex-ministro da Imigração) a dois anos, e outro assessor a seis anos (um com tornozeleira eletrônica, o outro isento por idade avançada).
Não é a primeira vez que Sarkozy enfrenta a Justiça. Em 2021, ele foi condenado a três anos (um efetivo, via tornozeleira eletrônica) por corrupção e tráfico de influência no “caso das escutas”, envolvendo uma tentativa de subornar um juiz. No “caso Tapie”, pegou mais três anos (dois suspensos) por arbitragem fraudulenta em favor do empresário Bernard Tapie. Essas sentenças anteriores o tornaram o primeiro ex-presidente francês a perder a Legião de Honra, a mais alta distinção do país.
A prisão de La Santé, famosa por abrigar figuras como o capitão Dreyfus (vítima de antissemitismo no século XIX), o terrorista Carlos, o Chacal, e o ex-ditador panamenho Manuel Noriega, agora soma Sarkozy à sua lista de “hóspedes ilustres”.
Reações: Divisão Política e Polêmica com Macron
O episódio dividiu a França. Apoiadores, incluindo o ministro da Justiça Gérald Darmanin (ex-protegido de Sarkozy), denunciam “perseguição judicial” e planejam visitas à prisão – uma polêmica, já que Darmanin alega direito protocolar para inspecionar qualquer detento.
Uma sondagem recente indica que 61% dos franceses veem a detenção como justa, contra 38% que a consideram injusta.
A controvérsia escalou com a revelação de que Sarkozy se reuniu com o presidente Emmanuel Macron no Eliseu na sexta-feira (17), fora da agenda oficial – um encontro protocolar para discutir sua saúde, segundo o palácio, mas criticado como “vergonhoso” por opositores. Macron, que não se manifestou diretamente, condenou ameaças recentes a juízes do caso.
Ativistas e historiadores destacam o marco: Sarkozy é o primeiro ex-líder da UE a cumprir pena efetiva pós-guerra, superando até Philippe Pétain (condenado por colaboração nazista em 1945). “É um dia trágico para as instituições francesas”, lamentou o advogado Thierry Herzog na chegada à prisão.
Enquanto cumpre a pena, Sarkozy planeja escrever sobre sua experiência – uma possível catarse literária, como anunciou seu advogado.
Um recurso pode libertá-lo em breve, mas o dano à sua imagem é irreversível. Para a França, o caso expõe tensões entre accountability e impunidade no topo do poder, em um ano eleitoral já volátil. Sarkozy, outrora o “hyper-presidente” hiperativo, agora enfrenta o silêncio de uma cela. Mas, como ele mesmo disse: “Dormirei na cadeia de cabeça erguida”.
A França observa, dividida entre justiça e nostalgia.


