Por: Alfredo Melo
… frequentar os estádios, torcer para o seu time do coração, lutar contra o preconceito e acabar com a intolerância. Não é uma luta fácil. Durante muito tempo, a vaidade foi a maior inimiga delas. Já que, historicamente, não podem ser a primeira torcida fundada, querem ser a primeira o cialmente reconhecida. Quase cinquenta anos depois, ainda não conseguem sair do armário — e das redes sociais — para frequentar os estádios. São as torcidas gays. Tudo começou em 1977, em tempos de ditadura militar e de uma sociedade ainda fortemente conservadora. Volmar Santos, gerente da boate gay Coliseu, junto com outros frequentadores gremistas da boate em Porto Alegre, fundou a Coligay, primeira torcida gay do Brasil.
Eles foram extremamente simpáticos, chegaram pedindo licença à diretoria do Grêmio, que viu naqueles rapazes, subvertendo a ordem, uma forma de protesto contra o regime militar e o forte conservadorismo vigente. A diretoria do Grêmio e parte da torcida receberam a Coligay de braços abertos e cederam um espaço reservado no Estádio Olímpico para a nova torcida. O sucesso foi tão grande que até gays colorados assistiam aos Grenais junto à Coligay. Em 1983, após o título mundial de clubes do Grêmio, a torcida foi extinta.
O sucesso e a importância da Coligay transpuseram os Pampas e desaguaram no Rio de Janeiro. Em 1979, o sociólogo, arqueólogo e carnavalesco Clóvis Bornay fundou a Flagay, gerando reações homofóbicas de grande parte da torcida e do presidente do Flamengo, Márcio Braga. Anos depois, fortemente perseguida, a Flagay se retirou dos estádios. Em 2003, a Flagay voltou ao Maracanã, mas a ATORFLA (Associação das Torcidas do Flamengo), com extrema violência, arrancou as faixas e agrediu fisicamente os torcedores da Flagay, expulsando-os das arquibancadas.
O presidente da ATORFLA disse que o único “bicho” que representava o Flamengo era o urubu. Hoje, a Flagay é uma das torcidas que não conseguem sair das redes sociais para os estádios.
A Flagay tem o impressionante número de 40 mil torcedores. Em 2013, em São Paulo, o cantor e in‑ uencer Felipeh Campos fundou as Gaivotas Fiéis, que, segundo os delírios megalomaníacos do seu fundador, seria realmente a primeira torcida gay do Brasil e a maior torcida gay do mundo. A torcida Gaviões da Fiel conseguiu acabar, na Justiça, com as Gaivotas Fiéis, alegando plágio do nome e uso indevido do símbolo do clube, dando a entender que o clube apoiava os Gaviões da Fiel e não as Gaivotas. As Gaivotas Fiéis ficaram restritas às redes sociais.
Quando Mara e suas amigas resolveram fundar a Galo Queer, organizada pelo Atlético Mineiro, sabiam que seria difícil defender a causa gay e o respeito à comunidade LGBT dentro do futebol. O que elas não contavam era com a intolerância e a violência física da torcida Galoucura.
Os integrantes da Galoucura ameaçavam com espancamento e morte a torcida Galo Queer, que era proibida de aparecer nos estádios. Foram registrados vários boletins de ocorrência, que não deram em nada. A torcida tem uma página no Facebook com mais de 10 mil fãs, que torcem na clandestinidade. Uma das fãs da Galo Queer levou à Arena do Galo um cartaz com os dizeres “Cartão vermelho para o preconceito”. A segurança da Arena tomou o cartaz. A torcida gay do São Paulo (Tricoloucas) sempre alimentou o sonho de ser a primeira torcida gay da América do Sul a ser reconhecida oficialmente.
O São Paulo nunca fez esse reconhecimento. A torcida se manifesta anualmente na Parada Gay de São Paulo e nas redes sociais, sendo a que mais cresce. Outras torcidas gays nas redes sociais incluem: “Porco Íris” (Palmeiras), “Marias de Minas” (Cruzeiro), “Grêmio Queer” (Grêmio Porto-Alegrense) e “Tricoloucas de Aço” (Bahia).
Bem, até que enfim o Alfredo Melo assume a verdade que nunca quis calar: ele é o Gatinho Cruel, que agora sai de cena para dar lugar ao seu criador. Enorme criatura no sentido literal, na bondade, no caráter e no conhecimento profundo do futebol e das coisas boas da vida, inclusive pratos deliciosos. Ah, tem também a paixão pelo Botafogo cada dia maior…


