
Boston, 17 de Dezembro de 2025
Em um contexto de endurecimento das políticas imigratórias nos Estados Unidos, o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) tem adotado tecnologias avançadas para monitorar imigrantes com processos em andamento. Uma das ferramentas mais recentes é o VeriWatch, um relógio inteligente (smart watch) desenvolvido pela empresa BI Inc., subsidiária do grupo privado GEO Group. Apresentado como uma opção menos invasiva em comparação aos tradicionais monitores de tornozelo, o dispositivo permite o rastreamento contínuo de indivíduos inscritos no programa Alternativas à Detenção (ATD, na sigla em inglês).
O programa ATD, em vigor desde 2004, visa permitir que imigrantes aguardem a resolução de seus casos em liberdade, em vez de detidos em centros de custódia. Atualmente, cerca de 180 mil pessoas estão sob monitoramento, com opções que incluem aplicativos de reconhecimento facial, check-ins presenciais ou dispositivos eletrônicos. O VeriWatch, introduzido há cerca de dois anos, equipado com GPS para localização em tempo real, verificação de identidade por reconhecimento facial e sistema de mensagens diretas, é descrito pelo ICE como uma forma de garantir o cumprimento das regras migratórias de maneira “menos intrusiva”.
No entanto, relatos recentes, divulgados pelo jornal britânico The Guardian em dezembro de 2025, revelam complicações graves associadas ao uso desses dispositivos, especialmente em situações médicas emergenciais. Em um hospital no Colorado, profissionais de saúde atenderam três mulheres grávidas usando o VeriWatch nos últimos meses. Uma delas, uma imigrante da Ásia Central em trabalho de parto avançado, chegou à unidade de emergência com o relógio apitando por baixa bateria. Temendo que o descarregamento fosse interpretado como tentativa de fuga, ela relutou em removê-lo.
Durante o procedimento, que exigiu uma cesariana, a equipe médica enfrentou dilemas: o dispositivo, não removível sem autorização específica, poderia interferir no uso de equipamentos de cauterização, risco de queimaduras ou choques elétricos. Em outro caso, uma paciente diagnosticada com pré-eclâmpsia apresentou inchaço significativo, e o relógio apertado ameaçava comprometer a circulação sanguínea. As mulheres choravam de medo, preocupadas com a possibilidade de agentes do ICE aparecerem e separá-las de seus bebês recém-nascidos.
Esses incidentes não são isolados. Profissionais de saúde em diversos estados relatam que a ausência de protocolos claros para remoção de dispositivos em emergências causa atrasos no atendimento, potencialmente agravando condições críticas. “Esperar para resolver essas questões, mesmo em casos não urgentes, pode transformar uma situação em emergência”, alertou um dos trabalhadores do hospital no Colorado. Diferentemente de monitores usados em sistemas correcionais estaduais, para os quais há procedimentos estabelecidos, os dispositivos do ICE carecem de orientações semelhantes.
Embora uma diretriz de 2009 do ICE proíba monitores de tornozelo em grávidas por razões médicas, essa exceção não se aplica ao VeriWatch. Um memorando interno de junho de 2025 determina que mulheres gestantes no ATD usem preferencialmente o relógio de pulso, considerado mais discreto. Críticos, incluindo ex-funcionários da BI Inc. e grupos de direitos immigrants, argumentam que o dispositivo permanece altamente restritivo, não podendo ser removido pelo usuário e gerando estigma e desconforto constante.
O contexto político agrava a situação. Com o retorno da administração Trump em 2025, o foco em deportações em massa aumentou o receio entre imigrantes monitorados. Muitos evitam cuidados médicos regulares, como consultas pré-natais, temendo detenções inesperadas. Em clínicas na Califórnia e em Chicago, observou-se queda significativa em visitas de rotina e retirada de medicamentos. Esse medo contribui para piores resultados de saúde, incluindo partos prematuros e complicações gestacionais.
A BI Inc., responsável pela operação exclusiva do ATD há duas décadas, beneficia-se financeiramente do programa. Apesar de expectativas de expansão para milhões de monitorados, o número estabilizou em torno de 180 mil em 2025, com preferência por tecnologias mais caras, como monitores de tornozelo. O GEO Group, conglomerado de prisões privadas, vê oportunidades de crescimento com o aumento do financiamento federal para enforcement imigratório.
Especialistas e defensores de direitos humanos questionam a proporcionalidade dessa vigilância intensiva. “O programa parece estruturado mais para beneficiar a empresa contratada do que os indivíduos monitorados”, afirmou um ex-funcionário do Departamento de Segurança Interna. A falta de padrões uniformes e a discricionariedade excessiva nas decisões de monitoramento reforçam críticas de que o ATD representa uma extensão do sistema carcerário, sob o disfarce de alternativa humanitária.
Enquanto o debate sobre imigração continua polarizado, casos como esses destacam o impacto humano das tecnologias de controle: o equilíbrio entre segurança pública e direitos individuais, especialmente de populações vulneráveis, permanece em questão.


