
Boston, 22 de Dezembro de 2025
Em uma década de polarização crescente nos Estados Unidos, Harvard University — a instituição mais antiga e rica do país — transformou-se no epicentro de uma batalha ideológica que culminou, em 2025, com sanções inéditas impostas pela administração Trump. Congelamento de bilhões em fundos federais de pesquisa, ameaças de revogação de isenção fiscal e restrições a estudantes internacionais marcaram o conflito. Mas o que levou a isso? Uma análise profunda revela que Harvard contribuiu para sua própria vulnerabilidade, enquanto o governo explorou ressentimentos reais.
Tudo começou com sinais sutis. Em 2014, no discurso de formatura de Harvard, Michael Bloomberg alertou sobre o risco de universidades se tornarem “câmaras de eco” liberais, onde ideias conservadoras eram silenciadas. Na época, a universidade celebrava sua diversidade recorde: 47% das mulheres, mais de 50% de minorias étnicas e internacionais. Líderes como Drew Faust viam isso como formação de líderes globais. No entanto, o foco em movimentos como Black Lives Matter, MeToo e DEI gerou críticas de intolerância a visões divergentes.
Casos emblemáticos ilustram o problema. Professores como Ronald Sullivan e Carole Hooven enfrentaram pressão e saíram após controvérsias envolvendo representação de Harvey Weinstein ou visões biológicas sobre sexo. Em 2023-2024, após o ataque do Hamas em 7 de outubro, protestos pró-Palestina no campus levaram a acusações de antissemitismo. A renúncia da presidente Claudine Gay, após uma audiência no Congresso onde evitou condenar explicitamente “genocídio de judeus por Hilter” (dizendo que dependia do contexto), foi o estopim. Doações caíram, e o ressentimento público explodiu.
Harvard, com uma dotação de US$57 bilhões, foi vista como elite desconectada: admissões favorecendo legados e doadores, custos anuais de US$87 mil, e uma percepção de doutrinação “woke”. A confiança nas universidades despencou de 57% para 36% entre 2015 e 2023, segundo Gallup. Trump, explorando esse backlash populista, atacou Harvard como símbolo de “esquerda radical”. Congelou US$2,2 bilhões em grants federais em abril de 2025, ameaçou mais sanções e exigiu reformas em admissões.
A universidade resistiu. Harvard processou o governo, alegando violação da Primeira Emenda e interferência inconstitucional. Em setembro, um juiz federal anulou os cortes, ordenando a devolução dos fundos. Mas o conflito persiste: em dezembro de 2025, a administração Trump apelou da decisão, e negociações para um acordo (incluindo possível pagamento de US$500 milhões para programas de treinamento profissional).
Uma reportagem investigativa baseada em mais de 150 entrevistas elaborado elo Boston Globe — reconhece que Trump “acendeu o fósforo”, mas enfatiza que Harvard cultivou “condições”: intolerância interna a diversidade de pensamento, reações lentas a tensões e uma desconexão com setores amplos da sociedade que veem universidades como elitistas e antiamericanas.
Essa guerra não é apenas sobre Harvard. É um sintoma de uma nação dividida sobre identidade, meritocracia e liberdade acadêmica. Harvard, guardiã da “Veritas” (verdade), precisa refletir sobre como equilibrar inclusão com debate genuíno. Trump, por sua vez, usa poder federal de forma questionável, priorizando espetáculo sobre diálogo.
Essa dinâmica não é exclusiva dos EUA. No Brasil, universidades de elite como USP, Unicamp e federais enfrentam percepções semelhantes de distanciamento e incompreensão. Para muitos cidadãos comuns, imersos em desafios cotidianos como desemprego, inflação e violência, essas instituições parecem corrompidas por agendas ideológicas ou “doutrinadoras” — acusações de marxismo cultural, ideologia de gênero e cotas como discriminação reversa. Pesquisas mostram que 20% dos brasileiros veem universidades públicas como espaços de “doutrinação ideológica”, associando-as a “balbúrdia” e má qualidade de ensino, especialmente entre apoiadores do bolsonarismo. O cidadão comum frequentemente sente que acadêmicos vivem em uma bolha privilegiada, desconectados da realidade “da rua”: salários altos, horários flexíveis e debates abstratos que ignoram o sofrimento diário da maioria.
Essa percepção global de elites acadêmicas — nos EUA, Europa e Brasil — reflete um ressentimento populista profundo: universidades são vistas como distantes das demandas reais da sociedade, priorizando pautas progressistas que parecem elitistas ou desconectadas do povo. No Brasil, isso se intensificou com cortes orçamentários no governo Bolsonaro e ataques a autonomia universitária, ecoando o trumpismo. Enquanto a confiança em cientistas de universidades públicas permanece alta em pesquisas recentes (cerca de 66% em 2023), o abismo cultural persiste: muitos veem a academia como um mundo à parte, corrompido por ideologias que não refletem as necessidades urgentes da população.
Enquanto o apelo judicial avança e negociações seguem, o impasse continua. A verdadeira perda é para a pesquisa científica, para os estudantes e para o país, que precisa de instituições que inspirem confiança — não ressentimento.


