
Boston, 12 de Agosto de 2025 – Quando se pensa em segurança pública, os Estados Unidos são frequentemente vistos como um modelo de estabilidade, com suas cidades modernas, economia robusta e forte presença policial. No entanto, um olhar mais atento aos dados revela uma realidade surpreendente: a capital americana, Washington, D.C., registrou taxas de homicídios que superam até mesmo as de Brasília, a capital brasileira, e desafiam a percepção de que os EUA são uma sociedade intrinsecamente segura. Mais chocante ainda, cidades brasileiras como São Paulo, Florianópolis e até mesmo o Rio de Janeiro, frequentemente estigmatizado como violento, apresentam índices de homicídios inferiores aos de D.C. e de várias cidades americanas marcadas por altos níveis de violência.
Uma Comparação Inesperada
Em 2023, Washington, D.C. registrou uma taxa de homicídios de 39,4 por 100 mil habitantes, segundo o Departamento de Polícia Metropolitana, com 274 assassinatos em uma população de cerca de 700 mil pessoas. Em 2024, embora a taxa tenha caído para 27,3 por 100 mil (187 homicídios), ela ainda supera significativamente a de Brasília, que, em 2024, apresentou uma taxa de 6,9 por 100 mil habitantes, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Essa diferença é ainda mais marcante quando se considera que, em 2025, D.C. projeta uma taxa de apenas 7,6 por 100 mil (baseada em 53 homicídios até maio), aproximando-se de Brasília, mas ainda refletindo um passado recente de violência elevada.
A declaração do presidente Donald Trump, em 11 de agosto, de que D.C. tem uma taxa de 41 por 100 mil habitantes, embora imprecisa e baseada em dados de 2023, trouxe à tona essa realidade desconfortável. Trump usou o número para justificar a federalização da polícia local e o envio da Guarda Nacional, descrevendo a capital como um “pesadelo de assassinatos e crimes”. A retórica alarmista, porém, contrasta com a queda nos índices de criminalidade, o que levanta questões sobre a necessidade de tal intervenção e surpreende quem associa os EUA a uma segurança inabalável.
Enquanto D.C. enfrenta seus desafios, capitais brasileiras como São Paulo, Florianópolis, Curitiba e Brasília se destacam por suas taxas de homicídios notavelmente baixas. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, registrou uma taxa de 7,1 por 100 mil habitantes em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, consolidando sua posição como a capital mais segura do Brasil. Curitiba com 8,97 por 100 mil habitantes, Florianópolis, com 10,0 por 100 mil, e Brasília, com 6,9 por 100 mil, também estão bem abaixo do limite de 10 por 100 mil considerado epidêmico pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Até mesmo o Rio de Janeiro, frequentemente retratado como um epicentro de violência, teve uma taxa de 26,7 por 100 mil habitantes em 2024, inferior à de D.C. no mesmo ano e muito abaixo de cidades americanas como Birmingham (72,8 por 100 mil) e New Orleans (71,9 por 100 mil). Essa comparação desafia estereótipos e pode surpreender quem acredita que o Brasil é uniformemente mais perigoso que os EUA.
Quando se olha além das capitais, o contraste fica ainda mais evidente. Cidades americanas como Birmingham (Alabama), New Orleans (Louisiana) e St. Louis (Missouri) lideram o ranking das mais violentas dos EUA em 2024, com taxas de 72,8, 71,9 e 69,9 por 100 mil habitantes, respectivamente, segundo dados do FBI analisados pelo RoadSnacks. Essas taxas superam em muito as de capitais brasileiras conhecidas por sua violência, como Fortaleza (45,3 por 100 mil), Salvador (66,4 por 100 mil) e Recife (44,7 por 100 mil) em 2022, conforme o Atlas da Violência 2024.
Enquanto Fortaleza, Salvador e Recife enfrentam desafios significativos, suas taxas de homicídios ainda são inferiores às das cidades mais violentas dos EUA. Por exemplo, Salvador, a capital mais violenta do Brasil em 2022, tem uma taxa menor que Birmingham e New Orleans, o que subverte a narrativa de que o Brasil é o “epicentro mundial do crime”, como sugerido por algumas análises internacionais.
Contradições Urbanas: da Skid Row a Cracolândia e Mass and Cass

A percepção de segurança nos EUA é ainda mais desafiada quando se considera a crise de drogas e marginalização em suas cidades. Skid Row, no centro de Los Angeles, é frequentemente chamada de a “primeira cracolândia do mundo”. Com uma alta concentração de moradores de rua, pobreza extrema e dependência química, a área reflete as contradições de uma das cidades mais ricas e glamorosas dos EUA. Estima-se que Skid Row abrigue cerca de 4.400 pessoas em situação de rua em apenas 0,4 milhas quadradas, com overdoses e crimes associados às drogas sendo comuns.
No Brasil, a Cracolândia, no centro de São Paulo, é um ponto focal semelhante, marcado pelo uso aberto de crack e outras substâncias. Apesar de São Paulo ter a menor taxa de homicídios entre as grandes cidades brasileiras, a Cracolândia expõe as falhas no enfrentamento da desigualdade e da dependência química. Da mesma forma, a área conhecida como “Mass and Cass” em Boston, um epicentro da epidemia de opioides nos EUA, registra alta incidência de overdoses e crimes relacionados a drogas, mesmo em uma cidade considerada segura, com uma taxa de crimes violentos quatro vezes menor que a de D.C.
Esses exemplos mostram que nenhuma sociedade está imune às suas contradições. Enquanto o Brasil lida com a violência estrutural e desigualdade, os EUA enfrentam crises de opioides, homelessness e violência urbana que desafiam sua imagem de segurança e prosperidade.
Desconstruindo o Mito da Segurança Americana

A crença de que os EUA são uma sociedade altamente segura é profundamente enraizada, alimentada por sua influência cultural e econômica. No entanto, os dados mostram uma realidade mais complexa. Washington, D.C., com uma taxa de homicídios que já foi mais alta que a de muitas capitais latino-americanas, e cidades como Birmingham e New Orleans, com índices que rivalizam os de zonas de conflito, revelam que a violência é um desafio significativo nos EUA. Mesmo Boston, com sua reputação de cidade progressista, enfrenta problemas como Mass and Cass semelhante a Cracolândia paulistana.
No Brasil, capitais como São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Brasília mostram que políticas públicas eficazes, como o investimento em policiamento comunitário e inteligência criminal, podem reduzir a violência a níveis comparáveis aos de cidades de países desenvolvidos. O Rio de Janeiro, apesar de seus desafios, também demonstra progresso, com uma taxa de homicídios menor que a de D.C. em 2024.
A declaração de Trump, embora baseada em dados exagerados, trouxe à tona uma verdade incômoda: os EUA não são imunes à violência urbana, e sua capital já foi mais perigosa que muitas cidades brasileiras. A comparação com capitais como Curitiba, São Paulo, Florianópolis e Brasília, e até com o Rio de Janeiro, desafia estereótipos e convida a uma reflexão mais profunda sobre segurança pública. Skid Row, Cracolândia e Mass and Cass são lembretes de que todas as sociedades têm suas contradições, e nenhuma está livre de lutar contra a violência, a desigualdade e as crises sociais.
Para os brasileiros, acostumados a ouvir que seu país é o “campeão mundial de violência”, esses dados oferecem uma nova perspectiva: o Brasil tem suas vitórias na redução da criminalidade, enquanto os EUA enfrentam desafios que não podem ser ignorados. A segurança, afinal, é uma conquista diária, não uma garantia automática de qualquer nação.
Fontes: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, Atlas da Violência 2024, FBI Crime Data Explorer, Departamento de Polícia Metropolitana de Washington, D.C., g1, Correio Braziliense, RoadSnacks, postagens em X.