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Um relatório recente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revela a ascensão do Terceiro Comando Puro (TCP) como o terceiro grupo criminoso mais influente no país, atrás apenas do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC). Originada como dissidência do CV em 2002, no Rio de Janeiro, a facção tem se expandido rapidamente, incorporando elementos de retórica neopentecostal para legitimar sua dominação territorial e recrutar membros. Essa fusão entre crime organizado e simbolismo religioso, conhecida como “narcopentecostalismo”, tem gerado preocupações quanto à intensificação da violência e da intolerância religiosa em regiões periféricas.
O TCP surgiu em meio a disputas internas no CV, adotando uma identidade que mescla o tráfico de drogas com referências evangélicas. Muitos de seus líderes e membros se declaram evangélicos — alguns relatos sugerem que o fundador, Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como “Peixão”, converteu-se por influência familiar ou atua como pastor informal. Essa adesão não é mera fachada: a facção utiliza discursos bíblicos para justificar ações violentas, promovendo uma narrativa de “purificação” territorial e unidade ideológica entre seus quadros.
Símbolos como a estrela de Davi — paradoxalmente associada ao judaísmo, mas reinterpretada em contextos locais — e frases como “Jesus é dono do lugar” marcam sua presença em comunidades. No Rio de Janeiro, o “Complexo de Israel”, conjunto de cinco favelas na zona norte, exemplifica essa simbologia: uma estrela de neon no topo de uma caixa d’água servia de farol noturno até ser destruída em operação policial em 11 de março de 2025. Apesar de tal repressão, o episódio foi mais simbólico do que estratégico, pois a facção já havia se consolidado em outros territórios.
Estratégias de Expansão
A Abin estima que o TCP opere em pelo menos dez estados, incluindo Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Ceará, Amapá, Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Seu crescimento deve-se a fatores como:Alianças táticas: Parcerias com o PCC, que facilitam acesso a rotas internacionais de drogas, e com grupos locais, como os Guardiões do Estado (GDE) no Ceará, permitindo incursões sem confrontos iniciais massivos.
Relação com autoridades: Menos hostilidade à polícia em áreas controladas, reduzindo tiroteios e favorecendo a consolidação de poder.
Recrutamento via religião: No sistema prisional, onde 43,2% dos detentos no Ceará são evangélicos (censo de 2025), a facção usa cultos e promessas de redenção para atrair membros, criando uma coesão ideológica sem doutrina teológica profunda.
No Ceará, uma das frentes mais recentes de avanço, o TCP impôs controle em bairros de Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, há cerca de três meses. Alianças com o GDE resultaram em episódios violentos, como o assassinato de estudantes em Sobral, em setembro de 2025, motivado por disputas territoriais — a facção chegou a alertar autoridades sobre ameaças prévias, revelando sua sofisticação operacional.
Impactos Sociais e Preocupações
A expansão do TCP agrava ciclos de violência, com relatos de extorsão (cobrança de “taxas” semelhantes às milícias), fechamento forçado de terreiros de umbanda e candomblé, e ataques a jovens e adolescentes em áreas disputadas. Organizações sociais registram aumento de tiroteios e ameaças, enquanto especialistas como Bruno Paes Manso, da USP, alertam para uma “nova dinâmica” no crime organizado, que desafia estratégias de segurança pública e pode influenciar as eleições de 2026.
O fenômeno levanta debates sobre a instrumentalização da fé: enquanto a facção se legitima religiosamente, críticos veem contradição entre os preceitos evangélicos e o crime, classificando o termo “facção evangélica” como oxímoro. Autoridades e analistas enfatizam a necessidade de abordagens integradas, combinando repressão, inteligência e políticas sociais para conter essa “terceira força emergente”.


