
Charlotte, Carolina do Norte, 26 de novembro de 2025–
Imagine a cena: as ruas de Nova York: Um imigrante, ofegante e aterrorizado, corre por uma calçada lotada, o coração disparado como um tambor de guerra. Atrás dele, agentes federais da Imigração e Alfândega (ICE), com rostos encobertos por máscaras e posturas implacáveis, o alcançam em segundos. Ele tropeça, cai de joelhos, e o choro irrompe – não só dele, mas de uma família que assiste, paralisada, do outro lado da rua.
A esposa grita, as crianças, com olhos arregalados de pavor, são arrastadas para uma van preta. Celulares capturam tudo: o desespero cru, o abraço rompido, o vazio deixado para trás. O vídeo, com menos de um minuto, explode nas redes – milhões de visualizações em horas, corações partidos em massa.
Corte para Chicago, dias depois. Um agente da ICE, isolado em meio a uma multidão enfurecida, é cercado por ativistas. Socos chovem, gritos de “Fora daqui!” , e ele cai ao chão, as agressões, o uniforme rasgado, o rosto ensanguentado. Uma intervenção rápida de colegas o salva, mas as imagens de sua dor física – o corpo inerte, o olhar atordoado – circulam, alimentando debates acalorados.
No entanto, enquanto a primeira cena evoca empatia visceral, a segunda desperta, para muitos, uma racionalização fria: “Ele estava no dever”. É o poder das imagens, senhoras e senhores – não os fatos secos, mas o que elas sussurram ao coração humano. E nessa batalha silenciosa, as políticas migratórias do presidente Donald Trump, outrora bandeira de orgulho republicano, começam a inclinar-se perigosamente para um abismo emocional.Essa dicotomia não é mero acidente; é o cerne de uma guerra de narrativas que, a cada raid, aprofunda as fissuras na sociedade americana.
As operações da ICE, intensificadas desde janeiro de 2025, visam deportar mais de um milhão de indocumentados por ano, priorizando, em teoria, “os piores dos piores” – membros de gangues, criminosos violentos. Mas os vídeos virais, como o da família Gonzalez em Los Angeles (42 milhões de visualizações em TikTok) ou o video mostrando Carlos Sebastian Zapata, um pai em convulsão em Lawrence, no condado de Essex, MA, e, com uma criança nos braços (mais de 500 mil compartilhamentos no X), pintam um quadro diferente: de famílias despedaçadas, inocentes colhidos no fogo cruzado. Esses clipes, com seu cunho emocional avassalador, retratam os agentes da ICE não como guardiões da lei, mas como ecos sombrios da Gestapo – a temida polícia secreta nazista, símbolo de opressão arbitrária. A retórica não é casual.
Democratas, em especial, repetem o termo com insistência cirúrgica. O governador de Minnesota, Tim Walz, chamou a ICE de “Gestapo moderna de Trump” em maio, durante um discurso na Universidade de Minnesota, ligando as detenções a violações de devido processo – uma comparação que, segundo o Departamento de Segurança Interna (DHS), elevou assaltos a agentes em 413%.
Em Massachusetts, o congressista Seth Moulton evocou a Gestapo em abril, ao criticar a detenção de uma estudante turca em Tufts, descrevendo agentes mascarados como “policiais secretos de Hitler”.
E em Boston, a prefeita Michelle Wu, em setembro, equiparou as táticas da ICE a grupos neonazistas como o NSC-131. Essas falas não são isoladas – elas amplificam um coro que transforma raids em sinônimo de terror estatal, mostrando o que historiadores chamam de “efeito Cronkite”: a virada midiática que enterrou a Guerra do Vietnã. Lembremo-nos do Vietnã, não como conflito bélico, mas como lição de mídia.
Nos anos 1960, a televisão americana, pela primeira vez, invadiu lares com imagens cruas: vilarejos queimados, soldados exaustos, civis aterrorizados pela Ofensiva Tet de 1968. Walter Cronkite, o âncora venerado da CBS, declarou em rede nacional: “Parece agora mais certo do que nunca que a sangrenta experiência do Vietnã terminará num impasse”.
O apoio público despencou de 61% para 28% em meses. Não foram os números de baixas que derrotaram o esforço americano; foram as cenas emocionais, que humanizavam o “inimigo” e demonizavam o americanos. Hoje, a imprensa liberal – de CNN a The Guardian – replica o script: 75% das coberturas de raids focam em “trauma familiar” ou “erros” (como a detenção de 170 cidadãos americanos em 2025, segundo ProPublica), enquanto Fox News e outlets conservadores destacam os 44 criminosos violentos pegos em Charlotte. O resultado? Uma narrativa que pende para os liberais, erodindo o “upper hand” republicana na imigração, como lamenta o ex-governador da Carolina do Norte, Pat McCrory.
Eis o paradoxo: pesquisas indicam apoio majoritário às políticas de Trump.
Uma sondagem Harvard/Harris de outubro revela 56% favoráveis à deportação de todos os indocumentados, saltando para 78% quando se trata de criminosos. A Gallup, em novembro, mantém 54% pró-enforcement na fronteira. No entanto, esses números habitam bolhas sociais – enclaves ideológicos onde republicanos veem “lei e ordem”, e democratas, “terror comunitário”.
A ICE patina em 34% de aprovação (Daily Mail/JL Partners, 25 de novembro), com 55% julgando as táticas “excessivas”. Imprensa e partidos manipulam esses dados como facas afiadas: liberais citam o declínio de 10-15% no suporte desde fevereiro para clamar “virada pública”; já os conservadores, 78% mostram favoráveis a deportações. São espelhos seletivos, refletindo interesses próprios.
Em Charlotte, centro atual dessa tormenta, a operação “Charlotte’s Web” ilustra o impasse. Lançada em 15 de novembro, capturou 250 a 370 indocumentados em dias, incluindo gangues e assaltantes – “os piores dos piores”, bradou o DHS. Mas protestos diários, com walkouts(greves)escolares (30 mil ausentes) e marchas com bandeiras mexicanas, expuseram o custo humano. O xerife local recusou 1.400 detainers, e republicanos como McCrory e Edwin Peacock III confessam: “Deixa um amargor nos eleitores”. McCrory, autor da controversa “lei dos banheiros” de 2016, alerta: “Pela primeira vez, a imigração pode ferir meu partido”. A deputada republicana da Flórida, María Elvira Salazar, disse na CNN: “Concentrem-se nos ‘bad hombres’ – assassinos, estupradores –, não na senhora que colhe pimentas há 20 anos”.
Em um estado púrpura (pêndulos) como a Carolina do Norte, decisivo para o Senado em 2026, esses raids podem ser o calcanhar de Aquiles de Trump.
A guerra das narrativas avança, então, com o peso das emoções – e as imagens vencem. Como no Vietnã, onde 15 segundos de fumaça e choro viraram uma nação contra si mesma, os clipes de crianças soluçando podem custar caro. O DHS insiste: “A operação não acaba tão cedo”. Mas enquanto as vans pretas roncam pelas ruas, uma pergunta paira: quem capturará o coração da América primeiro – os fatos da lei, ou as lágrimas da humanidade? Em Charlotte, o ar ainda cheira a tensão; em Washington, a bolhas se rompem. O midterms de 2026 indicará o vencedor dessa guerra por mentes e corações.


