JCEditores – Em março de 2025, o governo de Donald Trump evocou a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, uma legislação americana raramente usada, para justificar a deportação em massa de mais de 200 venezuelanos supostamente ligados à gangue Tren de Aragua. Essa lei, criada no contexto das tensões com a França revolucionária, permite ao presidente deter e expulsar “inimigos estrangeiros” em tempos de guerra ou ameaça à segurança nacional.
No caso dos venezuelanos, Trump alegou que a presença de membros da gangue representava um risco iminente, enviando-os para El Salvador em questão de horas, sem devido processo – uma decisão que gerou críticas, como a da juíza Patricia Millett, que comparou o tratamento dado a esses migrantes ao de nazistas processados nos EUA, destacando a ausência de direitos básicos.
Embora o uso da lei por Trump seja um exemplo contemporâneo, o Brasil tem sua própria história com medidas semelhantes durante a Segunda Guerra Mundial, sob o governo de Getúlio Vargas. Após romper relações com o Eixo em 1942, o país aplicou políticas repressivas contra alemães, italianos e japoneses residentes, incluindo campos de internamento, confiscos de bens e até a proibição de publicações em idiomas estrangeiros. Essas ações, justificadas como proteção nacional, deixaram marcas profundas nas comunidades imigrantes e só foram plenamente revertidas com o fim do regime militar e a Constituição de 1988, revelando um capítulo pouco lembrado de autoritarismo e xenofobia.
Campos de Concentração no Brasil
Durante a Segunda Guerra, o Brasil estabeleceu os chamados “campos de internamento” para deter indivíduos de origem alemã, italiana e japonesa considerados suspeitos de simpatia pelo Eixo. No Sul do país, onde a colônia teuto-brasileira era numerosa – cerca de 75 mil alemães natos e mais de 1 milhão de descendentes na década de 1930 –, cidades como Blumenau, Joinville e Guarapuava abrigaram essas instalações.
Em São Paulo, o campo de Pindamonhangaba reteve 136 tripulantes alemães do navio Windhuk, capturado em 1939, enquanto no Pará o campo de Tomé-Açu focava em japoneses. Estima-se que entre 2 mil e 3 mil pessoas foram internadas em pelo menos 12 campos oficiais, embora registros sugerem até 31 locais menores.
As condições variavam de acordo com o campo. Em alguns, como Guarapuava, os prisioneiros enfrentavam trabalho forçado e restrições severas; em outros, como Tomé-Açu, havia racionamento de energia e proibição de contato externo. Diferentemente dos campos de extermínio nazistas, esses locais não visavam a eliminação física, mas o isolamento e a neutralização de supostas ameaças. Ainda assim, o impacto foi significativo: famílias foram separadas, e muitos perderam meios de subsistência, sofrendo humilhações públicas em um clima de paranoia alimentado pela propaganda oficial.
Confiscos de Empresas e Bens
Além dos campos, o governo Vargas confiscou bens de cidadãos do Eixo sob o Decreto-Lei nº 4.166 de 1942, que autorizava a expropriação de propriedades, empresas e até objetos pessoais, como rádios e veículos, sob a alegação de prevenir sabotagem. Um caso emblemático é o da VARIG (Viação Aérea Rio-Grandense), fundada em 1927 por Otto Ernst Meyer, um alemão naturalizado brasileiro.
Após a declaração de guerra, Meyer foi afastado, e a companhia foi “nacionalizada” à força, com aviões requisitados para uso militar. Outras empresas importantes também foram alvo, como a Laminação Nacional de Metais (atual Companhia Siderúrgica Nacional – CSN), que tinha participação alemã e passou por intervenção estatal para garantir o controle nacional sobre a produção de aço.
A Siemens-Schuckertwerke, filial brasileira da gigante alemã Siemens, teve suas operações confiscadas, com equipamentos e instalações transferidos para o governo ou empresas locais. No setor químico, a Química Bayer, subsidiária da Bayer alemã, enfrentou o mesmo destino, com suas fábricas em São Paulo sendo apropriadas e seus produtos redirecionados para o esforço de guerra aliado. Entre os japoneses, a Companhia Agrícola Sul Brasil, uma cooperativa de imigrantes no Paraná dedicada à produção de seda, teve terras e infraestrutura tomadas, forçando os colonos a abandonar décadas de trabalho. No Sul, pequenos negócios, como cervejarias familiares e lojas de comerciantes, também foram expropriados, muitas vezes sem compensação, devastando economicamente essas comunidades.
Proibição de Publicações em Idiomas Estrangeiros
Outro aspecto marcante foi a repressão cultural, incluindo a proibição de jornais, revistas e publicações regulares em idiomas estrangeiros, como alemão, italiano e japonês. Implementada em 1938, no auge do Estado Novo, e intensificada durante a guerra, essa medida visava eliminar influências “alienígenas” e forçar a assimilação. Jornais como o Deutsche Zeitung, de São Paulo, foram fechados, e escolas comunitárias em línguas do Eixo foram extintas. Em cidades como São Leopoldo (RS), até mesmo falar alemão em público podia levar à prisão, sob pena de ser visto como ato de traição.
Essa proibição permaneceu em vigor, com variações, até o fim do regime militar em 1985. Durante a ditadura (1964-1985), a censura já era ampla, mas a restrição específica a publicações estrangeiras regulares só caiu com a Constituição de 1988, que garantiu a liberdade de expressão e imprensa sem distinção de idioma. Até então, comunidades imigrantes dependiam de publicações clandestinas ou importadas para manter suas culturas vivas, um reflexo do longo impacto do nacionalismo autoritário de Vargas.
Legado e Reflexão
O uso de medidas como a Lei de Inimigos Estrangeiros por Trump em 2025 ecoa, de forma distinta, as ações brasileiras de 1942. Enquanto os venezuelanos enfrentaram deportações rápidas e sem processo, no Brasil os “inimigos” do Eixo sofreram internamentos, expropriações e silenciamento cultural. Ambos os casos mostram como crises podem justificar violações de direitos em nome da segurança.
No Brasil, o fim do regime militar e a redemocratização marcaram o abandono dessas práticas, mas o trauma nas comunidades afetadas permanece como um lembrete de que políticas de exceção, seja nos EUA ou no Brasil, deixam cicatrizes difíceis de apagar.