Da Redação – O presidente Donald Trump acredita que as fabricas podem evitar facilmente suas tarifas ao transferirem suas operações de volta aos Estados Unidos. Se bem-sucedida, essa estratégia, centrada nas tarifas, poderia romper com a estagnação prolongada da produção industrial americana e gerar empregos muito valorizados por seus apoiadores da classe trabalhadora.
Trump acredita que a construção de fábricas, como as de automóveis, em território americano eliminaria a incidência de tarifas, incentivando a relocalização industrial. Contudo, ao tentar trazer industrias de volta, ele enfrenta forças estruturais de longo prazo que reduziram no “chão da fábrica” à menor proporção do total de postos de trabalho nos Estados Unidos desde o início dos registros oficiais, em 1939. Hoje, apenas 8% dos trabalhadores americanos atuam em fábricas, conforme dados do Bureau of Labor Statistics.
Suas políticas apresentam contradições. As tarifas sobre aço e alumínio, anunciadas na semana passada, elevarão os custos para montadoras e fabricantes de eletrodomésticos que utilizam esses metais. Além disso, os planos de deportação em massa de imigrantes dificultarão a contratação de novos trabalhadores numa economia que já opera em pleno emprego.
Mesmo que consiga atrair empresas para dentro de suas barreiras tarifárias, especialistas consideram improvável a recuperação dos quase 5 milhões de empregos industriais perdidos desde o final dos anos 1990. Nas fábricas modernas, máquinas predominam sobre trabalhadores, e os empregos remanescentes exigem maior qualificação, sem oferecer salários superiores a outras oportunidades disponíveis para quem não possui diploma universitário ou mesmo sem grandes habilidades técnicas. Assim, a política comercial de Trump busca, contra as probabilidades, recriar uma economia e um estilo de vida que não existem mais nos Estados Unidos há décadas. Economistas, como os de Harvard, argumentam que as tarifas, isoladamente, não resolvem o problema.
Trump há muito critica a economia global, considerando-a injusta e acusando nações estrangeiras de explorarem os Estados Unidos por meio de acordos comerciais desequilibrados, enquanto recebem proteção militar americana. Para ele, relocalizar fábricas de automóveis, móveis e outras oficinas que migraram para o exterior durante a hiperglobalização é a solução para o déficit comercial crônico, que atingiu o recorde de 1,2 trilhão de dólares no último ano.
Seu objetivo, conforme expresso por sua administração, é reequilibrar o sistema econômico internacional. A visão do governo aponta que o comércio global é distorcido por países como a China, que reprimem a demanda interna e dependem de exportações para sustentar suas fábricas. Essas indústrias chinesas, beneficiadas por subsídios, produzem a preços que os fabricantes americanos raramente conseguem competir, ampliando o déficit comercial e reduzindo encomendas e empregos nas fábricas locais. Para o governo, esse modelo é insustentável.
A administração está reorientando a política comercial americana, priorizando a criação de empregos industriais de qualidade em vez de oferecer bens baratos aos consumidores. Trata-se de um desafio significativo. O auge do emprego na manufatura ocorreu em 1979, com 19,5 milhões de vagas. Nas duas décadas seguintes, cerca de 2 milhões de postos desapareceram devido à automação, que aumentou a produção com menos trabalhadores. Com a ascensão econômica da China e sua entrada no sistema comercial global, o setor perdeu quase 6 milhões de empregos entre 1998 e 2010.
Em seu primeiro mandato, Trump alcançou progressos modestos na revitalização industrial ao impor tarifas sobre dois terços dos produtos chineses adquiridos pelos americanos, resultando num aumento de 411 mil empregos na manufatura até o início de 2020, antes da pandemia. Seu sucessor, Joe Biden, buscou estimular a indústria com incentivos fiscais e subsídios, triplicando os investimentos em novas fábricas. Ainda assim, os ganhos em empregos foram limitados, alcançando um pico de 12,9 milhões no início de 2023, apenas 110 mil acima do melhor momento do primeiro mandato de Trump.
Defensores das tarifas sustentam que fortalecer a manufatura é essencial para comunidades robustas e uma defesa nacional sólida, evocando períodos anteriores. Entre 1950 e o início dos anos 1980, o balanço de conta corrente dos EUA costumava ser superavitário. Nas últimas quatro décadas, porém, o déficit crônico tem sido associado ao enfraquecimento de comunidades dependentes da indústria. Analistas conservadores reconhecem que décadas de políticas comerciais e industriais equivocadas não serão revertidas rapidamente, mas insistem que a inação não é uma opção.
Enquanto economistas tradicionais veem a integração global como o meio mais eficiente de produzir bens e serviços demandados pelos americanos, Trump rejeita a dependência de produtos estrangeiros, como madeira ou petróleo canadense, favorecendo alternativas nacionais. Sua administração enfatiza a produção fabril e o crescimento do emprego nos Estados Unidos como prioridades centrais.
No melhor cenário, o retorno de fábricas suficiente para zerar o déficit comercial poderia criar cerca de 2 milhões de empregos, segundo estimativas acadêmicas. Embora expressivo, esse número é apenas uma fração das vagas perdidas desde o auge da globalização, e viria acompanhado de custos. As tarifas propostas, equivalentes a 1% do PIB, representam um dos maiores aumentos tributários da história, conforme analistas.
Relocalizar fábricas para os EUA pode não garantir os empregos bem remunerados esperados. Embora o trabalho fabril já tenha oferecido salários e benefícios superiores para trabalhadores sem diploma universitário, esse diferencial desapareceu em 2006, devido, em grande parte, à queda na sindicalização. Ainda assim, empregos estáveis com horários regulares trazem benefícios intangíveis, como a possibilidade de sustentar uma família com um único trabalho, permitindo maior participação cívica — um contraste destacado por comunidades que sofreram com o fechamento de fábricas.
A abordagem tarifária de Trump, marcada por idas e vindas, complica sua missão. Após anunciar tarifas contra Canadá e México em janeiro, adiá-las em fevereiro, aplicá-las na terça-feira, isentar montadoras na quarta e conceder mais um mês de trégua na quinta, ele planeja implementar tarifas recíprocas em abril, igualando as taxas impostas por outros países aos produtos americanos, desafiando normas comerciais tradicionais.
Essa intensa movimentação desde a posse tem deixado os produtores, que Trump pretende beneficiar, incertos sobre investimentos. Pesquisas recentes indicam que mais de três quartos dos fabricantes veem as incertezas comerciais como seu maior obstáculo, um aumento expressivo em relação ao período pré-eleitoral.
Para uma revolução industrial, Trump depende de mudanças nos padrões de investimento corporativo. Nas últimas décadas, a dependência de fábricas no exterior gerou lucros que, majoritariamente, foram direcionados a acionistas, não à expansão industrial doméstica. Hoje, cerca de 70% dos lucros corporativos após despesas são usados para recomprar ações e pagar dividendos. Especialistas sugerem que tarifas podem desincentivar a produção externa, mas alertam que são uma ferramenta imprecisa. O prazo de 30 dias para relocalizar produção, por exemplo, é considerado inviável por especialistas em cadeias de suprimento.
A Casa Branca celebra novos investimentos industriais, como o de 20 bilhões de dólares anunciado por uma empresa francesa de transporte marítimo, além de compromissos de gigantes como Apple e TSMC. Trump também mencionou uma nova planta da Honda em Indiana, embora a empresa tenha negado o plano.
Esse texto foi editado a partir da versão original que foi publicada no Jornal Washington Post e pode ser acessado por esse endereços eletrônico:
https://www.washingtonpost.com/business/2025/03/09/trump-tariffs-factories/