
Boston, 05 de Agosto de 2025 – Em 4 de agosto de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de descumprimento de medidas cautelares impostas em inquéritos que investigam sua suposta participação em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. As restrições incluem a proibição de usar redes sociais, comunicar-se com outros investigados e receber visitas não autorizadas, exceto advogados, com saídas permitidas apenas em emergências médicas.
A decisão, que intensificou a polarização política no Brasil, foi criticada por aliados de Bolsonaro, incluindo o Departamento de Estado dos EUA, que acusou Moraes de “silenciar a oposição”, enquanto defensores do STF a justificam como necessária para proteger a democracia. O caso gerou intensos debates jurídicos e políticos, especialmente à luz do conceito de Direito do Inimigo (Feindstrafrecht), desenvolvido por Günther Jakobs.
É preciso analisar os elementos das ações contra Bolsonaro que podem ser associados a teoria de Jakobs, que distingue entre cidadãos, protegidos pelo Direito Penal clássico, e o “inimigos”, que deve tratados como ameaças ao sistema social, justificando medidas excepcionais de neutralização.
Fundamentos e Aplicação
O Direito do Inimigo, conforme proposto por Jakobs, surge da necessidade de proteger a ordem normativa contra indivíduos que, por suas ações, rejeitam o contrato social e representam uma ameaça à estabilidade do sistema. Diferentemente do cidadão, que é punido por infrações específicas com vistas à ressocialização, o “inimigo” é submetido a medidas preventivas que priorizam a neutralização, muitas vezes com restrições a direitos fundamentais, como o devido processo legal ou a liberdade de expressão.
Jakobs argumenta que, em casos extremos, como terrorismo ou crimes contra o Estado, o sistema jurídico deve garantir a segurança coletiva, mesmo que isso implique um tratamento excepcional. Contudo, ele reconhece o risco de abusos, especialmente em democracias frágeis, onde a categorização de “inimigo” pode ser instrumentalizada para fins políticos, corroendo a legitimidade das instituições.
No caso de Jair Bolsonaro, quatro elementos do Direito do Inimigo são examinados: neutralização como objetivo principal, restrições desproporcionais, base na periculosidade e tratamento excepcional. Esses critérios permitem avaliar se as ações de Moraes configuram um desvio do Direito Penal clássico em direção a uma lógica de contenção de um “inimigo” do sistema, bem como suas implicações para a percepção pública em um contexto de polarização e insegurança jurídica.
Elementos do Direito do Inimigo no Caso Bolsonaro
- Caso Bolsonaro: Neutralização como Objetivo Principal : A prisão domiciliar de Bolsonaro, juntamente com a proibição de usar redes sociais e de se comunicar com outros investigados, visa limitar sua influência política e sua capacidade de mobilizar apoiadores contra o STF. Moraes fundamentou a decisão no uso indireto das redes sociais de aliados, como seus filhos, para propagar mensagens contra as instituições, configurando uma tentativa de burlar medidas cautelares.
Essa lógica de neutralização, que prioriza a contenção de uma ameaça percebida sobre a punição por crimes concretos, esta de acordo com o “Direito do Inimigo”, que busca desarmar o “inimigo” antes que ele desestabilize o sistema.
A ênfase na interrupção da capacidade de comunicação de Bolsonaro sugere que o STF o enxerga como um risco ativo à ordem democrática.
- Restrições Desproporcionais: As medidas impostas, especialmente a proibição de dar entrevistas ou usar redes sociais, restringem significativamente a liberdade de expressão, garantida pelo artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal. Tais limitações, aplicadas antes de uma condenação formal, podem ser vistas como desproporcionais, pois transcendem a necessidade imediata de proteção processual e sugerem uma tentativa de silenciar um líder político com grande base popular.
Jakobs alerta que restrições a direitos fundamentais, quando justificadas pela periculosidade do indivíduo, caracterizam o tratamento de um “inimigo”, em detrimento das garantias do cidadão. A severidade dessas medidas, em um contexto de investigação ainda não concluída, reforça a percepção de um Direito Penal voltado para a contenção.
- Base na Periculosidade: A decisão de Moraes destaca o risco contínuo que Bolsonaro representa, apontando sua conduta reiterada — como a participação por videochamada em um ato em Copacabana e o uso de redes de aliados — como uma ameaça à ordem democrática. Essa abordagem, que fundamenta medidas cautelares na potencialidade de novos atos desestabilizadores, é um traço central do Direito do Inimigo. Jakobs argumenta que a punição preventiva, baseada na periculosidade, distingue o “inimigo” do cidadão, que é julgado por fatos consumados.
No caso de Bolsonaro, a ausência de uma condenação definitiva e a ênfase em sua influência política como risco potencial reforçam a lógica de contenção preventiva.
- Tratamento Excepcional: Embora os três elementos anteriores sugiram afinidades com o Direito do Inimigo, o tratamento excepcional — caracterizado por medidas que suspendem garantias processuais ou criam regimes jurídicos especiais — não está plenamente presente. A prisão domiciliar está prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal, e Bolsonaro mantém acesso a advogados e recursos judiciais, com o caso previsto para julgamento pela Primeira Turma do STF em agosto ou setembro de 2025.
Diferentemente de casos paradigmáticos do Direito do Inimigo, como detenções sem julgamento em Guantánamo, as ações contra Bolsonaro estão ancoradas no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, a celeridade da decisão, a amplitude das restrições e a falta de uma condenação prévia levantam questionamentos sobre um possível desvio em direção a um regime excepcional, especialmente quando vistas sob a lente da polarização política.
A Polarização, o Ativismo Judicial e a Insegurança Jurídica
A prisão domiciliar de Bolsonaro intensifica a polarização política no Brasil, dividindo a sociedade entre aqueles que veem a medida como uma defesa necessária da democracia e os que a consideram uma perseguição política. A narrativa de “perseguição”, alimentada por aliados de Bolsonaro e amplificada por críticas internacionais, como a do Departamento de Estado dos EUA, que acusou Moraes de reprimir a oposição, transforma o caso em um símbolo de divisão.
Essa polarização é agravada pelo ativismo judicial, entendido como a atuação do STF em decisões que extrapolam a interpretação estrita da lei, assumindo um papel quase legislativo ou político. A decisão de Moraes, que combina medidas cautelares severas com justificativas baseadas na proteção da ordem democrática, é percebida por críticos como um exemplo de ativismo, onde o Judiciário define quem representa uma ameaça, potencialmente erodindo a separação dos Poderes.
A insegurança jurídica resultante desse cenário é significativa. A aplicação de medidas preventivas, como a proibição de comunicação, antes de uma condenação formal, levanta dúvidas sobre o respeito a princípios como a presunção de inocência e a proporcionalidade. Jakobs alertaria que, em um contexto de ativismo judicial, a categorização de um indivíduo como “inimigo” pode ser instrumentalizada para justificar restrições que, embora legais, minam a confiança nas instituições.
A percepção pública de que o STF atua seletivamente contra figuras de oposição, como Bolsonaro, alimenta a insegurança jurídica, pois sugere que o Direito Penal pode ser moldado por interesses políticos. Essa desconfiança é exacerbada pela ausência de transparência em alguns aspectos do processo e pela rapidez com que medidas drásticas são impostas, reforçando a narrativa de um Direito do Inimigo aplicado contra adversários políticos.
As ações de Alexandre de Moraes contra Jair Bolsonaro, embora fundamentadas no Código de Processo Penal, apresentam traços do Direito do Inimigo, mas ainda não seria a sua aplicação: a ênfase na neutralização, as restrições desproporcionais à liberdade de expressão e a fundamentação na periculosidade do ex-presidente.
O tratamento excepcional, porém, não está plenamente presente, pois as medidas estão ancoradas no ordenamento jurídico e preservam garantias processuais, como o acesso à defesa. Bolsonaro não esta sendo julgado por um tribunal de exceção, embora a polarização política, intensificada pelo ativismo judicial e pela insegurança jurídica, amplifica a percepção de que Bolsonaro é tratado como um “inimigo” do sistema, um risco que Jakobs destaca como inerente à aplicação do “Feindstrafrecht” em democracias frágeis.
O caso reflete o desafio em manter o equilíbrio da “proteção da democracia” com o respeito às garantias individuais, em um contexto onde a confiança nas instituições é constantemente testada.