Da Redação – O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, escolheu a deputada Deb Haaland como sua secretária do Interior, a primeira americana indígena no cargo, noticiou a imprensa local nesta quinta-feira (17). A iniciativa poderia estreitar as conturbadas relações do departamento com os povos nativos.
Eleita em 2018, Haaland é uma representante nacional do Novo México e membro da comunidade Laguna Pueblo. Se confirmada pelo Senado, ela será a primeira mulher indígena a chefiar um órgão governamental desse nível. Sua nomeação também corresponderia à intenção divulgada de Biden de constituir o gabinete mais diverso da história da Casa Branca.
O Departamento do Interior é uma grande agência com mais de 70 mil funcionários que supervisiona os recursos naturais do país, incluindo parques nacionais, locais de petróleo ou gás, assim como terras nativas, lar de 578 tribos reconhecidas federalmente.
Haaland, 60 anos, dedicou-se especialmente no Congresso a melhorar os serviços das comunidades nativas, como a assistência durante a pandemia de coronavírus, e aos esforços para proteger a natureza e combater as mudanças climáticas. Ela também é vice-presidente do Comitê de Recursos Naturais do Congresso, que fiscaliza o Interior.
“Seria uma grande honra avançar a agenda climática Biden-Harris, ajudar a reparar as relações entre governos e tribos que a administração Trump arruinou, e servir como a primeira secretária do gabinete nativa americana na história de nossa nação“, disse Haaland em comunicado publicado no The New York Times.
A escolha por Haaland representa “um dia histórico e sem precedentes para todos os povos indígenas“, declarou o presidente da Nação Navajo, Jonathan Nez.
É “uma mensagem clara” de que Biden “está comprometido em abordar os erros do passado e abrir o caminho para uma mudança real e uma oportunidade para as nações tribais“.
Durante os quatro anos do governo de Donald Trump, o Departamento do Interior ganhou o desprezo de grupos nativos e defensores ambientais ao revogar várias proteções.
Mensagem ao Brasil
Deb Haaland se tornou uma das principais críticas do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro dentro do Partido Democrata e tem exercido influencia em figuras proeminentes da politica americana, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Corteza. Seu discurso indigenista e de proteção aos povos indígenas coloca Haaland em rota de colisão com o mandatário brasileiro. Ela passou a atuar tanto na pressão pública direta ao Presidente Bolsonaro, quanto na proposição de medidas contra os interesses do governo brasileiro no Congresso americano.
“Continuaremos colocando Bolsonaro na fogueira enquanto ele cometer violações dos direitos humanos, seguir no esforço para destruir a Floresta Amazônica e colocar nosso planeta em risco de um desastre climático ainda maior“, afirmou Haaland em uma reportagem publicada essa semana na BBC NEWS BRASIL.
Como parlamentar, Haaland tentou, por exemplo, barrar a aprovação do status do Brasil como aliado militar extra-OTAN, uma das conquistas mais comemoradas pelo Itamaraty sob Bolsonaro, e nas últimas semanas, ela se empenhou em cortar do Orçamento de Defesa dos EUA a previsão de verba pública para o acordo de salvaguardas tecnológicas entre Brasil e Estados Unidos, que deve viabilizar lançamentos de satélites americanos da base de Alcântara, no Maranhão. Para a parlamentar, a base de Alcântara ocupa parte de uma área em disputa com povos nativos.
Em maio de 2019, pouco depois do anúncio do acordo para uso da base de Alcântara, Haaland conseguiu angariar assinaturas de 54 congressistas americanos (do partido democrata) para uma carta enviada ao secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na qual alertava para “violações dos direitos humanos de comunidades indígenas e quilombolas no Brasil“. Meses antes de coletar as assinaturas, a política americana recebeu no Congresso dos EUA as parlamentares oposicionistas Erika Kokay (PT-DF) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Em junho desse ano, voltou à carga com uma carta enviada ao presidente da Câmara brasileira, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em que pedia a derrubada de um projeto de lei que previa ampla regularização fundiária na Amazônia e que acabou batizado pelos críticos de “PL da Grilagem“.
“Entendemos que esse projeto é muito prejudicial para a floresta amazônica, uma vez que legalizará grandes áreas de terras públicas que já foram ocupadas e desmatadas ilegalmente“, escrevia Haaland, na carta assinada por 18 de seus colegas.
No mesmo período, seus colegas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara enviaram comunicação às autoridades comerciais americanas dizendo que se opunham a qualquer avanço em tratados comerciais com o Brasil de Bolsonaro.
E em dezembro, Haaland assinou com outros 21 colegas uma carta que qualificava as políticas de Bolsonaro como “antidemocráticas e xenófobas“.
Como o poder de parlamentares como Haaland pode afetar o Brasil de Bolsonaro?
É difícil dimensionar o poder desse grupo de parlamentares americanos do qual Haaland é uma liderança. Isso porque, diferente do Brasil, o presidente americano depende essencialmente do legislativo para aprovar medidas centrais e por enquanto a Câmara é a única das duas casas que os democratas controlam por enquanto — a maioria no Senado para o próximo ano ainda está indefinida.
Considerado um moderado e centrista entre os Democratas, Biden terá que fazer concessões à ala mais à esquerda do partido para poder governar.
E um tema no qual seria mais fácil chegar a um consenso é justamente a agenda ambiental, na qual Bolsonaro é visto como um antagonista.
O negacionismo climático que uniu Bolsonaro a Trump simplesmente não funcionará com Biden, que priorizará ações climáticas globais e ambiciosas, incluindo a proteção da floresta Amazônica, Biden já disse que planeja oferecer ao Brasil 20 Bilhões de dólares para ajudar na “preservação ambiental” da grande floresta brasileira.