JUNOT – Por trás das frutas que apodrecem nos campos da Califórnia, do Texas e da Pensilvânia, há histórias de medo, incerteza e uma crise que ameaça a mesa de milhões de americanos expondo as contradições de uma política migratória que pune os invisíveis enquanto compromete a segurança alimentar de uma nação.
No condado de Ventura, na Califórnia, onde o sol escaldante ilumina campos que produzem bilhões de dólares em frutas e verduras, Lisa Tate, fazendeira de sexta geração, caminha entre fileiras de morangos que nunca chegarão ao mercado. “Se 70% da sua força de trabalho não aparece, 70% da sua safra apodrece em um dia”, diz ela, com a voz carregada de frustração e impotência.
As batidas do ICE, intensificadas em junho sob a política migratória do presidente Donald Trump, transformaram os campos agrícolas dos EUA em cenários de abandono. Em um dia, Tate viu sua equipe de 300 trabalhadores encolher para 80. Em outra fazenda próxima, 17 pessoas tentavam, em vão, substituir um time que antes contava com 80 trabalhadores. No Vale do Rio Grande, no Texas, fazendas ficaram desertas por dias, com até 75% dos trabalhadores ausentes, temerosos de detenções e deportações. Esses trabalhadores, em sua maioria imigrantes sem status legal, são a espinha dorsal de um setor que alimenta os EUA.
Segundo o Departamento de Agricultura, cerca de 50% a 70% da força de trabalho agrícola está em situação irregular. Na Califórnia, que produz mais de um terço dos vegetais e três quartos das frutas e nozes do país, a ausência desses trabalhadores é um golpe devastador. “Não temos mão de obra suficiente nos EUA para o trabalho manual que sustenta nossa alimentação diária”, alerta Alexandra Sossa, CEO do Farmworker and Landscaper Advocacy Project. “Sem eles, não há quem colha, embale ou processe o que comemos.” A fala de Sossa descreve o retrato fiel dos campos e das fábricas de processamento onde a ausência de trabalhadores já provoca perdas irreparáveis e ameaça encarecer os alimentos nas gôndolas dos supermercados.
No centro dessa crise estão pessoas como Juan, um mexicano de 54 anos que há três décadas colhe frutas nos campos americanos. Ele, que prefere não revelar seu nome por medo de ser detido, fala com a voz embargada sobre a incerteza que o acompanha: “Acordamos com medo. Não sabemos se voltaremos para nossas famílias ao fim do dia.” Sua história não é isolada. Outro trabalhador, também em situação irregular, descreve o peso de viver sob a sombra da deportação: “Tentamos não nos meter em problemas, mas agora qualquer coisa pode significar nunca mais ver nossos filhos.”
Apesar do risco, muitos voltam aos campos dias após as batidas, movidos pela necessidade de sustentar suas famílias, recorrendo a estratégias como caronas com colegas de status legal ou enviando filhos cidadãos para tarefas simples, como ir ao supermercado. A política de deportações em massa, defendida por setores do governo Trump, expõe uma contradição cruel: enquanto se promete “proteger” empregos para cidadãos americanos, os fazendeiros alertam que esses cidadãos que Trump tanto se refere não querem fazer os trabalhos árduos e mal remunerados do campo.
Douglas Holtz-Eakin, ex-diretor do Escritório de Orçamento do Congresso e republicano, é categórico: “Perder essa mão de obra é ruim para as cadeias de suprimento, para o setor agrícola e, no fim, para o consumidor, que pagará mais caro.”
Estudos da Oxford Economics reforçam que trabalhadores nativos não substituirão os imigrantes, cujos padrões de emprego diferem profundamente. O resultado? Safras perdidas, fazendas à beira da falência e a ameaça de uma crise alimentar que pode elevar os preços e reduzir a oferta de produtos frescos. O governo Trump, pressionado por fazendeiros e pela secretária de Agricultura, Brooke Rollins, oscila em sua abordagem. Em uma postagem nas redes sociais, o presidente reconheceu que as batidas estão “tirando trabalhadores muito bons e de longa data”, mas recuou após pressões internas de assessores como Stephen Miller, defensor de uma linha dura contra imigrantes. Apesar de promessas de uma “solução” para os fazendeiros, nenhuma política concreta foi anunciada.
A indecisão reflete um impasse maior: o Congresso, embora tenha reintroduzido em maio de 2025 um projeto de lei bipartidário de 2019 para regularizar trabalhadores rurais, não avança em reformas que equilibrem segurança migratória com as necessidades do setor agrícola. O programa de vistos H-2A, que atende apenas 10% da demanda por trabalhadores sazonais, é insuficiente para atividades contínuas, como laticínios, deixando fazendeiros sem alternativas viáveis.
Enquanto as safras apodrecem e os trabalhadores vivem com medo, a crise expõe uma verdade incômoda: a agricultura americana depende de mãos que o sistema insiste em criminalizar. A Pennsylvania Farm Bureau, representando mais de 25 mil membros, alerta que a instabilidade no campo ameaça não apenas os fazendeiros, mas a acessibilidade dos alimentos para todos os americanos.
Lisa Tate, em Ventura, resume o drama: “Estamos mal conseguindo sobreviver. Sem trabalhadores, não há fazenda, não há comida.” A solução, defendem economistas e ativistas, exige uma reforma migratória que reconheça a contribuição desses trabalhadores, oferecendo segurança jurídica sem sacrificar a produção agrícola.
Este é o retrato de uma nação em encruzilhada: entre a rigidez das políticas de deportação e a necessidade de sustentar sua cadeia alimentar, os EUA enfrentam o desafio de conciliar justiça humana com pragmatismo econômico. Enquanto isso, nos campos, trabalhadores como Juan continuam a colher sob o peso do medo, e frutas maduras apodrecem ao sol, um lembrete silencioso do custo de decisões que ignoram os invisíveis que alimentam o país.
Fontes: Entrevistas com fazendeiros e trabalhadores, Departamento de Agricultura dos EUA, Oxford Economics, Pennsylvania Farm Bureau, Reuters, Newsweek.