BBC NEWS BRASIL – O Brasil ainda é mais tolerante do que a média global à entrada de refugiados pelas fronteiras, embora haja significativo ceticismo quanto à integração dessa população, aponta uma pesquisa de opinião recém-divulgada pelo instituto Ipsos, que ouviu 18 mil pessoas de 16 a 64 anos em 26 países – mil delas no Brasil.
Questionados se achavam que o Brasil deveria fechar completamente sua fronteira, 53% dos entrevistados discordaram. Outros 28% defenderam o fechamento total de fronteiras, cifra que é três pontos percentuais maior que a da pesquisa anterior, feita em 2017. Mas, ainda assim, é a segunda menor porcentagem global, atrás apenas do Japão (27%) e ao lado do Chile (também com 28%).
Na média dos 26 países pesquisados, 40% dos entrevistados defenderam o fechamento de fronteiras a refugiados.
“O número de refugiados no Brasil cresceu muito, mas, em proporção à sua população, o país talvez não tenha sido tão impactado pela migração quanto países como Turquia e Alemanha – que, com populações bem menores, receberam número maior de pessoas”, avalia à BBC News Brasil Sandra Pessini, diretora do Ipsos.
Ao mesmo tempo, a crise de refugiados global nunca foi tão grave. Em relatório publicado nesta quarta-feira (19/6), a Acnur, agência da ONU para refugiados, apontou que, até o final do ano passado, havia 70,8 milhões de pessoas que tinham sido forçadas a deixar suas casas em todo o mundo, em decorrência de perseguição, conflitos, violência ou violações de direitos humanos.
Esse número recorde tem sido puxado, nos últimos anos, sobretudo pelo fluxo humano de refugiados da guerra da Síria, mas também pelos conflitos no Iraque, no Iêmen, no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo, além da crises da população rohingya entre Mianmar e Bangladesh.
No ano passado, porém, a Acnur destacou a crise humanitária na Venezuela como um grande impulsor da fuga populacional.
Por conta dessa essa crise, o Brasil passou a figurar entre os seis países que mais receberam pedidos de refúgio em 2018: foram 80 mil solicitações (mais do dobro dos 33,8 mil pedidos feitos no ano anterior), e três quartos das solicitações são de cidadãos venezuelanos.
Venezuelanos em fuga
Dados divulgados pela Acnur em 7 de junho apontam que subiu para 4 milhões o número de venezuelanos que abandonaram seu país. Para dar uma dimensão dessa fuga, a agência da ONU lembra que, no final de 2015, eram 695 mil o número de refugiados e migrantes do país sul-americano.
Atualmente, a maioria deles está migrando para a Colômbia (que já recebeu 1,3 milhão), Peru (768 mil), Chile (288 mil) e, depois, Brasil, que abriga 168 mil venezuelanos.
Embora muitos desses migrantes não se encaixem na definição tradicional de refugiado – ou seja, alguém que sofre de “fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” -, a Acnur e organizações de direitos humanos já entendem que vítimas de uma crise humanitária como a que vigora na Venezuela, com fome generalizada e escassez de itens básicos, podem se enquadrar como refugiados.
Esse entendimento, porém, não costuma ser seguido pelos países ao decidir se enquadram ou não migrantes na categoria de refugiados.
Percepção sobre refugiados
De volta à pesquisa do Ipsos, 61% dos entrevistados globalmente concordam com a ideia de que as pessoas têm direito a buscar refúgio em outros países para escapar da guerra e da perseguição. A média é a mesma do Brasil.
No entanto, uma grande parcela das pessoas (54% na média global e 40% no Brasil) acredita que “a maioria dos estrangeiros que fazem pedido de refúgio ao meu país não são refugiados e querem entrar aqui por razões econômicas ou para se beneficiar de nossos serviços”.
Existe, também, um número significativo de pessoas (47% dos entrevistados globais e 31% no Brasil) que duvidam da capacidade dos refugiados de se integrar de modo bem-sucedido a suas novas sociedades.
Porém, outra pesquisa recente do Acnur, Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil, que entrevistou 487 refugiados – a maioria de nacionalidade síria, congolesa, angolana e colombiana – em 14 cidades brasileiras, apontou dificuldades de parte dessa população com o idioma e com a inserção no mercado de trabalho. Mas mostrou, também, sinais positivos de integração e de otimismo dessa população.
Os refugiados entrevistados têm taxa de escolaridade superior à média brasileira, e mais de 90% deles afirmam falar português. Quase 60% estão trabalhando. E a ampla maioria afirmou ter amigos brasileiros e participar de atividades sociais com brasileiros, “demonstrando que eles têm inserção em espaços sociais para além de seus círculos familiar e nacional”, diz o estudo.
“Todos os indicadores analisados demonstram que, apesar das dificuldades com emprego, com a revalidação de diplomas e rendas ou salários considerados insuficientes, os refugiados acreditam em sua capacidade de adaptação e ascensão social no país”, conclui o texto da Acnur.