LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Uma jovem mãe mexicana, moradora de Los Angeles, faz consultas médicas mensais por meio de um programa do governo americano, devido a um quadro de diabetes gestacional que pode levá-la a desenvolver o tipo 2 da doença.
Preocupada com a possibilidade de agravar seu estado de saúde, ela pensa, no entanto, em deixar de comparecer às próximas consultas.
Hoje com um filho de um ano, a mulher chegou ao país quando tinha nove. Atualmente, possui uma autorização temporária de permanência, concedida a imigrantes que entraram nos EUA quando crianças, mas que vence em fevereiro do ano que vem.
Sua intenção era submeter uma solicitação para um green card em setembro, já que seu marido tem permissão de residência permanente.
Devido às novas regras de imigração, anunciadas nesta semana pela gestão de Donald Trump, porém, ela teme que o tempo que passou recebendo auxílio público a impeça de conseguir o documento.
Pelo novo regulamento, entre outros fatores, deverão ser rejeitados pedidos de visto temporário e de residência a imigrantes que tenham rendimento abaixo de determinados níveis ou que recebam benefícios públicos, como cupons para compra de comida, seguro saúde ou auxílio moradia.
Passaram a ser incluídos na avaliação programas como o Snap, de suplementação alimentar, e o Medicaid, que presta auxílio médico a pessoas de baixa renda.
Defensores de imigrantes e pesquisadores afirmam que casos como o da mexicana ocorrem em todo o país desde 2017, quando os primeiros rascunhos da proposta foram divulgados pela imprensa.
“Como escutaram em algum lugar que isso aconteceria, muitos estavam hesitantes desde o início do mandato de Trump em aceitar serviços públicos, para mostrar que não seriam um peso para o sistema”, conta Angelica Salas, diretora-executiva da Chirla (Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes), em entrevista à Folha de S.Paulo.
“Começamos, então, a ver com frequência pessoas parando de ir a consultas em clínicas gratuitas.”
Segundo ela, embora as regras apontem que não haverá efeito retroativo sobre a utilização dos benefícios, o histórico dos postulantes à permanência no país pode acabar sendo analisado de qualquer maneira.
Segundo os Serviços de Cidadania e Imigração (USCIS, na sigla em inglês), só serão avaliados pelo novo regulamento pedidos submetidos do dia 15 de outubro em diante.
Apesar de não constar na lista de instituições que serão avaliadas de acordo com a nova regra, funcionários do Programa Especial de Nutrição Suplementar para Mulheres, Bebês e Crianças (WIC, na sigla em inglês) têm relatado casos de pais que retiraram seus filhos do programa com medo de que o benefício possa prejudicar suas chances de permanecer nos EUA.
“Ao longo dos últimos três anos, presenciamos famílias recusando e tentando devolver benefícios, como bombas de extração de leite materno. Tudo isso por medo”, conta Brian Dittmeier, conselheiro de políticas públicas do WIC, para quem a desinformação sobre as regras é um dos principais fatores a serem combatidos.
De acordo com Sara McTarnaghan, pesquisadora do Instituto Urban, organização especializada em políticas públicas, devido à desinformação, o medo de ser afetado pelo novo regulamento atinge milhares de pessoas de forma indevida, incluindo imigrantes que já possuem green card.
“Seja por medo ou por desconhecimento sobre o que a regra significa, muitos vão parar de fazer uso de benefícios.”
Embora confirme a possibilidade de enganos, o Departamento de Segurança Interna dos EUA diz, em documento oficial, que não haverá modificações das regras por “decisões injustificáveis” de famílias que escolham deixar de receber auxílio mesmo que este não venha a prejudicá-las.
Numa pesquisa conduzida pelo Instituto Urban com cerca de 2.000 imigrantes, 20,7% dos representantes de famílias de baixa renda relataram não ter participado de nenhum programa de benefícios do governo em 2018 por medo de não conseguir o green card.
Desse total, 46% disseram ter evitado participar do Snap, que oferece nutrição suplementar, o maior percentual dentre todos os programas citados. Entre 2017 e o primeiro semestre de 2018, o programa teve queda na participação de crianças de baixa renda menores de cinco anos, filhas de mães imigrantes, passando de 43% para 34,8%, segundo a organização Children’s HealthWatch.
“É difícil atribuir a queda somente à mudança na regra, mas acredito que a pesquisa mostre evidências precoces dessa conexão”, diz McTarnaghan.
Segundo a pesquisadora, imigrantes estariam mudando a alimentação para se adaptar à falta do auxílio do governo, o que pode levar a problemas nutricionais, principalmente em crianças.
Outros relataram medo do que poderia acontecer em uma emergência médica, já que os planos de saúde estão além de suas possibilidades financeiras.
“As novas regras têm mais de 800 páginas, o que torna muito difícil entender seu conteúdo. O grande desafio hoje é colocar informações precisas nas mãos dessas pessoas, para que possam tomar as melhores decisões para elas mesmas e suas famílias.”