Com R7 – Durante quase 20 anos, os EUA mantiveram uma pesada intervenção militar no Afeganistão, com o objetivo de livrar o país do Talibã, que eles consideravam uma ameaça. Agora, no momento em que as tropas norte-americanas fazem sua retirada e um grupo rival dos talibãs, o Isis-K, promoveu um atentado suicida com dezenas de mortes no aeroporto de Cabul, os dois lados se veem em uma posição inédita, a de cooperação.
Enquanto aos militares dos EUA dominam o aeroporto e tentam retirar o maior número de pessoas do país, os talibãs dominaram todo o perímetro ao redor do local e fazem o controle de quem pode ou não ter acesso. Em uma coletiva nesta quinta (26) após o atentado, o próprio presidente Joe Biden reconheceu a situação.
“Eles não são os mocinhos aqui, quero deixar bem claro. Não confiamos neles, mas sabemos que eles vão agir em função de seus interesses. O interesse deles é que nós possamos sair no prazo acordado. Não é uma questão de confiança. Não há nenhuma evidência de que houve uma colaboração entre o Talibã e o Isis-K nesse ataque”, disse o mandatário norte-americano.
Tanto Biden quanto o chefe do Comando Central dos EUA, general Kenneth McKenzie, afirmaram que os militares norte-americanos em Cabul trocaram informações com os talibãs e que, por meio dessa cooperação, alguns outros atentados podem já ter sido evitados. Além disso, uma eventual retaliação contra o Isis-K pode ser interessante para o próprio Talibã.
McKenzie explicou que suas tropas têm “compartilhado informações com os talibãs” e tendem a continuar “coordenando” para evitar novos ataques. Segundo ele, tanto os EUA quanto o grupo têm como um “objetivo comum”, que é concluir a missão de evacuação até o fim do mês.
“Eles (os talibãs) têm uma razão prática para nos quererem fora até 31 de agosto. Eles querem retomar o controle do aeroporto. Também queremos partir até essa data, se for possível. Portanto, compartilhamos um objetivo em comum”, justificou.
Por sua vez, Biden também lembrou que os EUA tinham um acordo com os talibãs desde o início de 2020, ainda no governo Trump, que deu início à retirada. Pela negociação, os membros do grupo não atacariam mais as tropas norte-americanas.
Estratégia da moderação
Para o Leonardo Paz, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ e analista da FGV, a situação do Afeganistão mostra, além de uma convergência de interesses entre os norte-americanos e os talibãs, uma vontade do grupo extremista de pacificar o país para dar prosseguimento ao seu projeto.
“É uma cooperação muito curiosa, os EUA conseguiram se organizar para conduzir o processo deles de retirada. Depois que o Talibã tomou Cabul, eles acabaram se acomodando e não entraram em confronto. Eles também não se dão bem com essa célula do Estado Islâmico (o Isis-K) por questões políticas, é rival desse núcleo”, explica.
Além de consolidar seu controle sobre o Afeganistão, o grupo deve em breve suprir a ausência dos EUA com alianças com outros países, interessados em sua localização estratégica e suas reservas minerais ainda não exploradas. Segundo o professor, o território afegão é rico em elementos que serão importantes para tecnologias “verdes“, como lítio, cobalto e cobre.
“O segundo problema é que o Talibã está com essa estratégia de se mostrar moderado, até por indicação de líderes como Xi Jinping, que já falou em novas conversas. A China está louca para entrar no Afeganistão, tem trilhões de dólares em minerais para serem explorados. Para o Talibã é muito ruim esse conflito. Vão ter que se organizar até para evitar novos atentados”, ressalta.
Fonte: R7 Conteúdo