
Boston, 04 de Setembro de 2025 – Desde a posse do presidente Donald Trump em janeiro de 2025, os Estados Unidos têm registrado um aumento constante no número de imigrantes que escolhem deixar o país voluntariamente, um fenômeno conhecido como autodeportação. Dados obtidos pela Newsweek por meio de um pedido de Lei de Liberdade de Informação (FOIA) junto ao Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE) mostram que, em fevereiro de 2025, foram registrados 592 casos de saída voluntária, número que subiu para 4.241 até julho do mesmo ano. Apesar de ainda representar uma fração pequena em comparação com as deportações forçadas, que atingiram 145.419 no mesmo período, a autodeportação reflete um clima de medo e incerteza alimentado por políticas migratórias rígidas e uma campanha publicitária de US$ 200 milhões liderada pela administração federal.
Fatores que impulsionam a autodeportaçãoMedo e “terror psicológico”
As políticas de imigração do governo Trump, marcadas por batidas em locais de trabalho, escolas e até igrejas, criaram um ambiente de “terror psicológico” entre comunidades de imigrantes. Brasileiros, que compõem cerca de 230 mil dos 11 a 13 milhões de imigrantes irregulares nos EUA, relatam evitar aglomerações e locais públicos, como mercados, por medo de detenções. A intensificação das operações do ICE, que realizou 32.809 prisões entre 20 de janeiro e 10 de março de 2025, reforça essa percepção de insegurança.
Muitos imigrantes, incluindo brasileiros, consideram a saída voluntária como uma forma de evitar a experiência traumática de prisões e deportações forçadas, que incluem condições como algemas em voos de repatriação, como relatado em um voo que trouxe 88 brasileiros a Belo Horizonte em janeiro de 2025.
Custos e dificuldades legais
Com cerca de 1,5 milhão de pessoas sob ordens de deportação nos EUA, incluindo 38 mil brasileiros, os imigrantes enfrentam longos e custosos processos judiciais. A decisão do ICE, em 8 de julho de 2025, de suspender audiências de fiança para imigrantes em processos de deportação, transferindo a decisão de liberação para agentes do ICE em vez de juízes de imigração, aumentou a pressão para a saída voluntária.
A possibilidade de detenção prolongada em centros como o controverso “Alligator Alcatraz” na Flórida, onde condições insalubres foram relatadas, leva muitos a optarem pela autodeportação para evitar tais cenários. A NBC News destaca que a administração Trump oferece um incentivo financeiro de US$ 1.000 para custear passagens aéreas, além de ameaças de multas de US$ 998 por dia para quem permanecer após uma ordem de deportação, intensificando a pressão para a saída.
Impactos econômicos e falta de regularização
A ameaça de deportações em massa cria uma percepção de instabilidade econômica, especialmente em setores dependentes de mão de obra imigrante, como agricultura, construção e hospitalidade.
A NBC News aponta que a campanha de autodeportação, liderada pela secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, inclui anúncios de TV de US$ 200 milhões que incentivam imigrantes a usar o aplicativo CBP Home para registrar sua saída voluntária. No entanto, apenas 20% desses anúncios têm legendas em espanhol, levantando dúvidas sobre sua eficácia em alcançar comunidades de língua espanhola.
A suspensão de programas como o DACA (Ação Diferida para Chegadas na Infância) e o parole humanitário, combinada com o fim de proteções para migrantes de países como Haiti e Venezuela, elimina caminhos para regularização, empurrando muitos a retornarem a seus países de origem antes de enfrentarem detenções.
Campanha de US$ 200 milhões e críticas
A administração Trump lançou uma campanha publicitária de dois anos, custando US$ 200 milhões, para incentivar a autodeportação. Segundo Kristi Noem, milhares de imigrantes já usaram o aplicativo CBP Home, que substituiu o CBP One (usado anteriormente para agendar entrevistas de asilo), para registrar suas saídas voluntárias.
A campanha, que inclui mensagens como “saia agora ou enfrente as consequências”, oferece um bônus de US$ 1.000 para passagens aéreas, mas enfrenta críticas por sua eficácia e motivações políticas. Democratas, como o deputado Bennie Thompson, do Mississippi, acusam os anúncios de serem propaganda política, com imagens de Noem elogiando Trump e cenas do presidente saudando tropas. Além disso, a falta de legendas em espanhol em 80% dos anúncios levanta questões sobre sua capacidade de alcançar o público-alvo.
Embora os dados do ICE indiquem um aumento nas autodeportações, com 17.500 casos registrados até agosto de 2025, o número ainda é pequeno diante da meta de 1 milhão de deportações anuais estabelecida pela administração Trump. Especialistas, como Jessica Vaughan, do Center for Immigration Studies, observam que a autodeportação pode ser influenciada tanto por políticas do ICE quanto por decisões de juízes de imigração, o que dificulta atribuir o aumento exclusivamente às ações do governo. Além disso, a campanha enfrenta resistência legal e logística, com ações judiciais contestando medidas como o fim de audiências de fiança e a operação de centros de detenção como “Alligator Alcatraz”.
O alto custo de deportações forçadas, estimado em US$ 17.000 por pessoa contra US$ 4.500 para autodeportações, reforça a estratégia do governo de incentivar saídas voluntárias.
O aumento das autodeportações nos EUA reflete a combinação de políticas repressivas, campanhas publicitárias agressivas e a falta de opções para regularização de status. Para brasileiros e outras comunidades de imigrantes, o medo de detenções, os custos legais e a instabilidade econômica são fatores decisivos na escolha de deixar o país voluntariamente.
Embora a campanha de US$ 200 milhões de Kristi Noem tenha registrado milhares de saídas pelo aplicativo CBP Home, sua eficácia é questionada, e a meta de deportações em massa de Trump enfrenta desafios logísticos e financeiros. Enquanto isso, o clima de incerteza continua a moldar as decisões de milhões de imigrantes, muitos dos quais, incluindo brasileiros, enfrentam o dilema de permanecer em um ambiente hostil ou retornar a seus países de origem.
NBC News: “Migrants and Democrats are skeptical of Noem’s $200 million ‘self-deportation’ TV ad campaign”
Fontes: Newsweek: “New ICE Data Shows Steady Rise in Immigrants Self-Deporting”