
O sol de julho queima as ruas de Everett, Massachusetts, onde o calor de 30 graus faz o ar tremular como uma miragem. Lucy Pineda, 52 anos, salvadorenha de olhos atentos, caminha com o celular na mão, como quem segura uma vela na escuridão. Ela é a alma de uma rede de 2.500 voluntários que, segundo o Boston Globe, patrulham cidades como, Everett, Framingham, Milford, Lynn e Worcester dentre outras, sussurrando alertas sobre o ICE, o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas. “É pela nossa gente”, diz Lucy, com a voz que carrega as cicatrizes de El Salvador e a força de quem não desiste.
Mas, do outro lado desse verão pegajoso, Todd Lyons, diretor interino do ICE, veste a armadura da lei e comanda seus agentes com a convicção de quem acredita estar protegendo a cidade. Everett, com seus 40 mil moradores, é um mosaico de sonhos e temores. O cheiro dos restaurantes e das padarias nas esquinas se mistura com o som de sirenes distantes, e o calor do verão, úmido e pesado, parece apertar ainda mais o peito de quem vive aqui.
No feriado de 4 de julho, enquanto fogos riscavam o céu, o ICE usou as redes sociais para responder a uma matéria do Boston Globe que celebrava Lucy e sua organização, Latinos Unidos en Massachusetts. “Eles pintam ativistas como heróis, mas atrapalham o trabalho da lei”, disse Lyons. Ele fala com orgulho dos seus agentes, “homens e mulheres que arriscam a vida para tirar criminosos das ruas”. E aponta um caso que torna tudo mais pessoal: Emilio Neftaly Pineda, irmão de Lucy, preso em Peabody, com uma ficha que inclui agressão doméstica, violação de ordem de restrição e um episódio de dirigir bêbado.
Lucy, com o suor brilhando na testa sob o sol ardente, vê o mundo por outra lente. Num vídeo do Boston Globe, ela encara os agentes do ICE e solta, com a voz que treme de raiva e coragem: “Vocês miram nossa comunidade trabalhadora. O carma existe, viu?” Sua fala é a voz que de defende os imigrantes que vieram para trabalhar e sabem que a vida é como andar na corda bamba. Para estes vieram trabalhar a dica é como o conselho de mãe ao filho: Nada de briga, nada de bebida, nada de confusão. Quem “rala duro” no calor do verão, paga suas contas e sonha com um futuro melhor faz de tudo para não chamar atenção.
Porque, como Lucy repete, toda ação tem seu preço, e aqui o preço pode ser uma batida na porta, uma viatura, uma deportação. Os números pesam como o ar úmido de julho. Em maio, o ICE fez 1.400 prisões em Massachusetts, um recorde que transformou bairros como Everett em labirintos de tensão.
Repórteres do Globe passaram uma semana ouvindo essas comunidades, capturando histórias de quem vive com um pé no trabalho e outro no medo. “A gente só quer uma chance”, sussurrou um morador. Lyons, por sua vez, insiste que o alvo não é o trabalhador, mas gente como Emilio, que cruza a linha da lei. “Estamos protegendo as comunidades, inclusive as de imigrantes”, afirma. O Globe tentou ouvir o ICE durante a apuração, mas só depois da matéria publicada Lyons mandou sua resposta. O jornal prometeu incluir o lado do ICE nas próximas edições.
Nas ruas de Everett, onde o calor de 30 graus faz a vida pulsar entre medo e coragem, Lucy Pineda segue sua ronda, o celular como um farol na escuridão. Todd Lyons comanda seus agentes, guiado pela lei que jura defender. No meio disso tudo, os imigrantes acordam antes do sol, trabalham até ele se pôr e pedem a Deus para que o carma, ou o ICE, passe ao largo.