ESTADÃO CONTEÚDO – A cultura da solidariedade, que inclui ajuda a estranhos, doação de dinheiro e tempo dedicado a trabalho voluntário, apresenta tendência de queda nos Estados Unidos e Canadá, enquanto a Indonésia foi o único país com tendência de crescimento nos últimos dez anos. As informações são do ranking global “World Giving Index”, cuja décima edição foi divulgada nesta terça-feira, 15, pela organização britânica Charities Aid Foundation (CAF), representada no Brasil pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis).
Em 2014, pico observado pela pesquisa, os EUA (1.º lugar) possuíam um score de 64% de solidariedade e o Canadá (6.º), 60%. Em 2018, o índice é de 58% e 49%, respectivamente. A Indonésia, por outro lado, tinha 39% em 2009 e, após oscilações entre 2012 e 2015, saltou para 59% no ano passado.
Segundo o CAF, entre os motivos que levaram à queda da solidariedade em território americano está a reforma tributária aprovada por Donald Trump, que pôs fim à dedução de doações de caridade na declaração de Imposto de Renda. Já na Indonésia (10.º), as razões incluem a cultura do zakat (esmola), ligada à religião islâmica, e incentivos do governo indonésio para aliar a prática aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Países como Nova Zelândia (3.º, score de 57% em 2018), Austrália (4.º, 56%), Irlanda (5.º, 56%), Reino Unido (7.º, 54%) e Holanda (8.º, 53%) apresentam estabilidade desde 2009, quando o estudo começou a ser elaborado em parceria com o instituto de pesquisa americano Gallup. Ainda entre o Top 10 dos mais generosos na última década, Mianmar (2.º, 58%) e Sri Lanka (9.º lugar, 51%) apresentaram tendência de queda.
O Brasil, por outro lado, figura na 74ª posição do levantamento, com 28% de score geral, dentre 126 países contemplados pela pesquisa. Dos brasileiros entrevistados, 15% afirmaram ter realizado algum tipo de trabalho voluntário, 46% já ajudaram algum estranho e 22% fizeram doações de dinheiro. Na América Latina, Chile (37%), Colômbia (35%) e Paraguai (32%) figuram no Top 3 regional, com o Brasil em oitavo, à frente da Argentina (28%) e Venezuela (23%).
A presidente do Idis, Paula Fabiani, afirma que a cultura anglo-saxã, observada nos EUA, Canadá e Reino Unido, por exemplo, favorece a prática da doação, vista com bons olhos por pessoas de religiões protestantes. “Ter riqueza é algo positivo”, afirma, comparando com católicos e muçulmanos, que valorizam a simplicidade e a modéstia. “Além disso, os países anglo-saxão têm uma orientação de participação comunitária, cidadã.”
A série histórica de dez anos do “World Giving Index” registrou um pico de generosidade no País entre 2015 e 2016, com alta de 54% em ajuda a estranhos (a categoria mais comum entre as pessoas), para depois apresentar tendência de queda e estabilizar nos 43%, similar aos anos anteriores.
Para Fabiani, a razão para isso é a recessão econômica, que produz dois efeitos: em um primeiro momento, vontade de promover ajuda para com o próximo e, depois, perda de empatia conforme o prolongamento da crise. “Depois de um tempo de recessão, as pessoas olham para o próprio umbigo e perdem a perspectiva futura. E isso certamente afeta a empatia”, afirma. Além disso, tragédias, como o desastre de Mariana (MG), costumam sensibilizar a população, o que ajuda a aumentar o índice. “Quando recebemos os dados de 2015, ficamos assustados, mas no fundo foi um ano de participação social”, lembra.
Nesse sentido, a presidente do Idis espera que os dados de 2019, a serem divulgados somente no próximo ano, sejam mais altos, em função do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), das queimadas na Amazônia e das passeatas a favor do meio ambiente mobilizando a população. “Em 2019 haverá uma melhora (no índice)”, espera.
Pouco solidários
Ao longo dos dez anos de pesquisa, enquanto os países de forte cultura religiosa dominam o ranking, os menos solidários são aqueles com herança de governos comunistas, nota Fabiani. A Rússia (117.º), Croácia (118.º), Montenegro (119.º), Bulgária (120.º), Lituânia (121.º), Sérvia (123.º) e, na última posição, China (126.º) figuram entre os menos generosos. “É uma orientação sem religião e tem essa percepção de que o Estado é o provedor”, explica. A Palestina (122.º), Iêmen (124.º) e Grécia (125.º) também ocupam o pé do ranking.