
Em pelo menos sete estados dos Estados Unidos, imigrantes detidos em centros do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE, na sigla em inglês) têm enfrentado condições alarmantes, com relatos de fome, escassez de alimentos e comida estragada, segundo depoimentos de detentos e defensores dos direitos dos imigrantes. As denúncias apontam que alguns detentos adoeceram, enquanto outros perderam peso devido à má qualidade e quantidade insuficiente das refeições. Em um dos centros, a insatisfação com a comida chegou a desencadear um incidente entre os detentos.
As dificuldades alimentares ocorrem em um contexto de superlotação nas instalações do ICE, impulsionada pela política da administração Trump de intensificar prisões de imigrantes.
Dados nacionais mostram que o sistema de detenção opera muito acima de sua capacidade. Em meados de junho, o ICE mantinha cerca de 60 mil pessoas detidas, quase 45% acima do limite financiado pelo Congresso, segundo a NBC News. Embora muitos centros sejam geridos por empresas privadas, os problemas persistem independentemente de quem administra as instalações, afirmam defensores.
Um ex-funcionário do ICE, que falou sob condição de anonimato, explicou que é difícil manter estoques adequados de alimentos diante de surtos inesperados de novos detentos. “O planejamento para picos diários imprevistos é um desafio, o que pode levar a atrasos na entrega das refeições ou porções reduzidas”, disse. Apesar de o ICE realocar recursos financeiros para cobrir custos extras, a logística de alimentação em larga escala permanece problemática.
A superlotação agrava a situação. Embora o Congresso tenha financiado o ICE para deter até 41.500 pessoas, na semana de 7 de julho, mais de 57 mil estavam em custódia, conforme dados do próprio ICE. A aprovação recente do “One Big Beautiful Bill” pelo presidente Donald Trump, que destina 45 bilhões de dólares para centros de detenção até setembro de 2029, pode expandir a capacidade para até 116 mil leitos por ano, segundo estimativas do American Immigration Council. Contudo, a curto prazo, a pressão sobre o sistema permanece. Relatos de Detentos: “Estou Me Acostumando à Fome”
Detentos em diversos centros relatam condições precárias

Alfredo Parada Calderon, um salvadorenho detido há quase um ano no Golden State Annex, na Califórnia, descreveu refeições insuficientes que o deixam com fome. “A carne parece pedrinhas, quase líquida, e as porções são mínimas”, afirmou à NBC News. Já Ilia Chernov, um imigrante russo detido no Winn Correctional Center, na Louisiana, desde julho de 2024, relatou por meio de um tradutor que as porções diminuíram significativamente. “Estou me acostumando à fome e perdi peso”, disse. Rubimar, cuja identidade foi parcialmente preservada por medo de represálias contra seu marido, Jose, deportado recentemente para a Venezuela, relatou que ele enfrentou escassez de alimentos durante três meses em um centro em El Paso, Texas. “Ele dizia que davam duas colheres de arroz, e muitos ficavam com fome”, contou.Advogados e ativistas corroboram essas denúncias.
Jennifer Norris, advogada do Immigrant Defenders Law Center, na Califórnia, informou que clientes em vários centros reclamaram de comida “intragável” e, em um caso, mofada. Liliana Chumpitasi, que opera uma linha direta para detentos no grupo La Resistencia, em Washington, recebe de 10 a 20 ligações diárias com queixas sobre condições, incluindo atrasos nas refeições e porções reduzidas. “Antes, o café da manhã era às 6h e o almoço ao meio-dia. Agora, o café pode chegar às 9h, e o jantar, à meia-noite”, relatou.
Violações Sanitárias e Falta de Fiscalização
A situação é agravada por problemas de segurança alimentar. No Northwest ICE Processing Center, em Tacoma, Washington, sete violações relacionadas a alimentos foram registradas em 2025, contra duas em 2024 e uma em 2023, segundo o Departamento de Saúde de Tacoma-Pierce. Em abril, 57 casos de suspeita de intoxicação alimentar foram reportados, com sintomas como diarreia e dores abdominais. A investigação apontou que couve refogada, servida como substituto não listado no cardápio, continha a bactéria Bacillus cereus, associada a intoxicações por alimentos mal armazenados ou reaquecidos. Após uma inspeção surpresa, o Departamento de Saúde identificou “práticas inadequadas de manuseio de alimentos”, que foram corrigidas até 18 de junho. Apesar disso, a porta-voz do Departamento de Segurança Interna (DHS), Tricia McLaughlin, negou vínculo entre os casos de doença e alimentos específicos, afirmando que a equipe médica no local não encontrou evidências conclusivas. A fiscalização das condições nos centros também enfrenta obstáculos.
A extinção ou redução drástica do Escritório do Ombudsman de Detenção de Imigração, que monitorava as instalações do ICE, limitou os canais para denúncias. “Os detentos perderam uma via importante para relatar problemas como alimentação, superlotação e higiene”, explicou um ex-funcionário do DHS, que pediu anonimato. Karla Gilbride, advogada da Public Citizen, destacou que o escritório foi desmantelado, com a maioria dos funcionários demitida, dificultando a resolução de queixas.
O DHS nega as acusações de escassez ou má qualidade alimentar.
Em comunicado, McLaughlin afirmou que “todas as alegações de falta de comida ou condições inadequadas são falsas” e que as refeições são certificadas por nutricionistas, garantindo a segurança e o bem-estar dos detentos. No entanto, o departamento não respondeu a perguntas sobre a última visita de supervisão alimentar ou sobre a desativação do escritório do ombudsman.
Empresas como a GEO Group, que opera centros em Newark, Tacoma e outros locais, e a LaSalle Corrections, responsável pelo Winn Correctional Center, também foram procuradas, mas não comentaram diretamente as denúncias. A GEO Group limitou-se a afirmar que suas operações seguem padrões rigorosos do ICE.Um Sistema Sob PressãoPara Vanessa Dojaquez-Torres, da Associação Americana de Advogados de Imigração, os problemas refletem a crise generalizada no sistema de detenção. “Não há tendências específicas por empresa, mas sim um sistema superlotado como um todo”, disse.
A entidade recebeu pelo menos uma dúzia de queixas relacionadas a alimentos nas últimas semanas, incluindo relatos de longos períodos sem comida ou refeições limitadas a lanches como batatas fritas ou uma fatia de pão.
Em Newark, Nova Jersey, um tumulto em Delaney Hall, em junho, foi atribuído a condições como refeições escassas e horários irregulares, segundo o The New York Times. Embora o DHS e a GEO Group tenham negado problemas crônicos, as denúncias persistem, levantando preocupações sobre a sustentabilidade do sistema de detenção.
Enquanto o ICE enfrenta desafios logísticos e orçamentários, os detentos continuam a sofrer as consequências de um sistema sobrecarregado. A falta de transparência e a redução da fiscalização agravam a crise, deixando defensores e detentos com poucas esperanças de melhorias imediatas.