
Medford, 29 de Setembro de 2025
Em um cenário que expõe as contradições da política migratória da administração Trump, os números mais recentes do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE, na sigla em inglês) revelam um fato surpreendente: pela primeira vez desde o início do segundo mandato do presidente, o total de detidos com qualquer tipo de condenação criminal caiu, mesmo enquanto o número geral de imigrantes atrás das grades continua a crescer. Enquanto Trump repete o mantra de que está deportando os “piores dos piores” – uma retórica que ecoa em discursos inflamados sobre segurança nacional –, os dados oficiais contam uma história bem diferente. Cada vez mais, o ICE está trancafiando pessoas sem histórico criminal, nem mesmo com acusações pendentes, em uma escalada que levanta sérias preocupações sobre seletividade e direitos humanos. Os números, divulgados pelo ICE na ultima quinta-feira, 25, cobrem um período de duas semanas no mês e pintam um quadro de intensificação das operações.
Nas últimas duas semanas, o total de detidos subiu em quase mil pessoas (exatos 996), impulsionado por uma média diária de 1.276 prisões – um patamar similar ao pico de junho, mas bem acima dos níveis de julho e agosto. Paralelamente, as deportações mantiveram um ritmo acelerado, com uma média de 1.271 remoções por dia.
No entanto, o detalhe que choca: o número líquido de detidos com condenações criminais despencou em 170, enquanto o contingente de pessoas sem qualquer registro criminal ou acusação em aberto explodiu em 1.016 indivíduos. Essa inversão não é um acidente isolado, mas reflete uma tendência alarmante da administração: priorizar volume sobre evidências, com prisões “colaterais” – aquelas feitas no calor do momento, quando agentes chegam para um alvo e levam quem mais estiver por perto – inchando as celas com famílias e trabalhadores comuns que construíram vidas nos EUA há anos.
De acordo com os dados atualizados até 21 de setembro de 2025, o ICE mantém 59.762 pessoas em detenção – um número que, embora ligeiramente abaixo do recorde de mais de 60 mil atingido em agosto, ainda representa um pico histórico impulsionado por um orçamento bilionário de US$ 45 bilhões aprovado pelo Congresso para expandir o sistema em 150%.
Desses, impressionantes 42.755 – ou 71,5% – não têm condenações criminais. E, entre os que têm, muitos foram pegos por infrações menores, como multas de trânsito ou violações administrativas, longe do perfil de “criminosos perigosos” vendido em comícios. Essa realidade foi confirmada por uma análise recente do The Guardian, que mostrou que, pela primeira vez sob Trump 2.0, o número de detidos sem histórico criminal (16.523) superou os com condenações (15.725) e acusações pendentes (13.767), destacando como as metas de 3 mil prisões diárias estão varrendo inocentes no caminho.
A geografia da detenção também revela desigualdades gritantes. No ano fiscal de 2025 (até 15 de setembro), o Texas lidera como o estado com mais instalações sobrecarregadas, abrigando o maior contingente de detidos em um sistema que já luta com superlotação e condições precárias. O Centro de Detenção do Condado de Adams, em Natchez, Mississippi, se destaca como o mais populoso, com uma média de 2.171 pessoas por dia – um lembrete sombrio de como o Sul dos EUA se tornou o epicentro dessa expansão.
Em agosto, por exemplo, o ICE foi responsável por 28.308 das 32.364 entradas em detenção, com a Patrulha de Fronteira (CBP) contribuindo com mais 4.056, em uma operação que varreu mais de 210 mil prisões desde janeiro.
Mas nem tudo é grades e algemas. Em meio à repressão, os Programas de Alternativas à Detenção (ATD) do ICE oferecem um vislumbre de alívio humanitário: até 20 de setembro, 181.210 famílias e indivíduos soltos estão sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas ou check-ins, evitando celas para quem não representa risco. O escritório da área de San Francisco lidera nesse esforço, com o maior número de participantes – um contraste bem-vindo à narrativa de “tolerância zero”.
Essa escalada, no entanto, não vem sem custos humanos devastadores. Desde janeiro, pelo menos 16 imigrantes morreram em custódia do ICE, incluindo Ismael Ayala-Uribe, um ex-“Dreamer” de 39 anos que faleceu no dia 22 de setembro em uma instalação em Adelanto, Califórnia – o 15º caso reportado oficialmente.
Ativistas apontam para superlotação, falta de cuidados médicos e um aumento de 56% no uso de confinamento solitário para vulneráveis, como pessoas com problemas de saúde mental, que atingiu mais de 10.500 casos entre abril de 2024 e maio de 2025.
“É uma campanha de crueldade”, alerta um relatório recente de direitos humanos, que critica a opacidade do sistema e a priorização de punição sobre justiça. Para quem acompanha de perto, ferramentas como as do Transactional Records Access Clearinghouse (TRAC), em tracreports.org, são aliadas indispensáveis. Seus “TRACmeters” atualizam em tempo real prisões, custódia, processos criminais de imigração e o backlog dos tribunais – com links para fatos rápidos e análises profundas. É ali que os números ganham vida, provando que a transparência pode ser uma arma contra a indiferença.
Em resumo, enquanto as promessas de Trump ecoam em megafones, os dados sussurram uma verdade incômoda: a máquina de deportação está girando a todo vapor, mas arrastando no caminho quem estiver ela frente. Com remoções em alta e detenção batendo recordes, urge um debate nacional sobre o custo humano dessa “segurança”.