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Em um movimento diplomático que sinaliza o degelo nas relações entre Brasil e Estados Unidos, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump confirmaram, nesta quarta-feira (22), o agendamento de um encontro bilateral para o próximo domingo (26), à margem da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur. A reunião, ainda sem horário exato definido, ocorre em meio a tensões comerciais recentes e representa uma oportunidade para discutir tarifas sobre exportações brasileiras, cooperação em energia renovável e a restauração de laços históricos entre as duas maiores democracias ocidentais. Lula, que desembarcou na Indonésia nesta quarta como parte de uma agenda asiática, expressou otimismo quanto ao diálogo, enquanto fontes da Casa Branca destacam o interesse de Trump em “redefinir o comércio bilateral”.
As relações entre Brasília e Washington azedaram nos últimos meses, especialmente após Trump impor, em agosto, uma sobretaxa de 50% sobre importações brasileiras – de café e carne bovina a minerais críticos –, em retaliação ao que qualificou como uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Condenado a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe em 2023, Bolsonaro, aliado ideológico de Trump, tornou-se o epicentro de uma crise que incluiu sanções a autoridades brasileiras. Lula, por sua vez, acusou o republicano de interferência estrangeira, comparando-o a um “imperador”.
O ponto de inflexão veio em 23 de setembro, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, onde os líderes trocaram um breve abraço nos bastidores – um gesto que Trump descreveu como marcado por “excelente química”. Dali em diante, o ritmo acelerou: em 6 de outubro, uma videoconferência de 30 minutos, iniciada por Trump, foi caracterizada pelo Planalto como “amistosa e extraordinariamente boa”. Nela, Lula reiterou o convite para Trump participar da COP30, em Belém (PA), em novembro, e sugeriu o encontro na Asean; Trump, em postagem na Truth Social, chamou a conversa de “muito boa” e previu que “nossos países se darão muito bem juntos”.
As negociações subsequentes, lideradas pelo chanceler brasileiro Mauro Vieira e o secretário de Estado americano Marco Rubio – designado por Trump para o diálogo –, pavimentaram o terreno. Em 16 de outubro, em Washington, Vieira e Rubio discutiram tarifas e sanções, acordando uma “janela de oportunidade” para o encontro na Malásia. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, previu que a reunião presencial será “ainda melhor” que o telefonema, enfatizando temas como etanol, data centers e parcerias em tecnologia.
Detalhes Logísticos e Agenda na Ásia
Lula iniciou sua viagem asiática na manhã desta quarta, chegando a Jacarta, na Indonésia, para reuniões bilaterais com o presidente Prabowo Subianto, focadas em comércio de etanol e energia renovável. Na quinta (23) e sexta (24), participa de fóruns empresariais com cerca de 100 executivos brasileiros, antes de seguir para Kuala Lumpur. Lá, a agenda inclui painéis na Cúpula da Asean (26-27 de outubro) e no Encontro de Líderes do Leste Asiático (EAS, 28-29), além de encontros confirmados com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi.
Trump, por sua vez, integra a cúpula a uma turnê asiática que inclui o Japão e a Coreia do Sul, com chegada prevista diretamente à Malásia no sábado (25). Fontes da Casa Branca indicam que o encontro com Lula pode ocorrer na tarde de domingo, após a abertura da Asean (às 10h locais, 23h de sábado em Brasília), em formato inicial a sós, seguido de discussões técnicas com ministros. A brevidade da estada de Trump na região – limitada por compromissos domésticos, como o impasse orçamentário nos EUA – torna o agendamento uma façanha logística.
O Itamaraty classifica o encontro como “bastante possível” desde 20 de outubro, com “janelas” na agenda de Lula para bilaterais. Diplomatas brasileiros enfatizam que o local neutro da Malásia evita exposição desnecessária, diferentemente de uma visita à Casa Branca.
Temas em Debate: Comércio, Sanções e Geopolítica
A pauta central deve girar em torno da redução das tarifas de 50%, que afetam 15% das exportações brasileiras aos EUA – um superávit comercial americano de bilhões de dólares, como lembrou Lula. O Brasil busca convergências em minerais críticos, data centers e etanol, setores onde vê potencial para investimentos conjuntos. Trump, segundo interlocutores, prioriza o fim das sanções a autoridades brasileiras e uma postura mais alinhada sobre a Venezuela, onde os EUA ensaiam intervenção militar no Caribe – tema que Lula deve evitar para não gerar atritos.
Analistas, como o historiador Matthew Dallek, da Universidade George Washington, alertam para os riscos: Trump é conhecido por “humilhar” líderes percebidos como antagonistas, como ocorreu com Volodymyr Zelensky. Lula, aos 80 anos em outubro, aposta em uma estratégia de “bajulação cautelosa”, focando em interesses mútuos para evitar concessões sobre Bolsonaro, cuja situação judicial é “intocável”.
O encontro ocorre em um contexto global volátil: com o impasse orçamentário nos EUA paralisando o Congresso, Trump busca vitórias diplomáticas para reforçar sua imagem de negociador. Para o Brasil, representa uma chance de mitigar perdas econômicas – estimadas em bilhões – e ampliar laços na Ásia, região que absorve 15% de suas exportações. No X (antigo Twitter), reações variam: de otimismo com o “recomeço” a ceticismo sobre as intenções de Trump.
Enquanto Lula e Trump se preparam para o tête-à-tête, o mundo observa: em um ano de conflitos e descrédito, como disse o presidente brasileiro, cabe às lideranças “resolver problemas e restaurar confiança”. Se o domingo em Kuala Lumpur trouxer avanços concretos, pode ser o primeiro passo para uma parceria renovada – ou, no mínimo, um alívio nas tensões que marcaram o início deste mandato republicano. Atualizações sobre o encontro serão divulgadas após sua realização.


