JCEditores – No domingo 23 de março, Ebrahim Rasool, ex-embaixador sul-africano nos Estados Unidos, retornou ao Aeroporto Internacional da Cidade do Cabo sob aclamação de uma multidão vibrante. Expulso como “persona non grata” após associar o Presidente Donald Trump um “movimento supremacista branco” em uma video conferencia, Rasool transformou a humilhação em um palco de resistência.
Munido de um megafone, declarou: “Uma declaração de persona non grata é feita para humilhar, mas o calor do povo converte isso em honra. Usarei esse status como uma medalha de dignidade.” Suas palavras refletem a diplomacia do Ubuntu, filosofia africana que exalta a humanidade, a solidariedade e o respeito mútuo como pilares das relações entre nações. Contudo, desde a guerra do Peloponeso aos conflitos contemporâneos revelam que tal visão permanece uma utopia distante, enquanto a máxima “o forte faz o que pode, e o fraco sofre o que deve” persiste desde a Antiguidade até nossos dias.
Rasool, forjado na luta anti-apartheid e ex-premier do Cabo Ocidental, há tempos advoga o Ubuntu como antídoto ao pragmatismo cínico da diplomacia ocidental. Para ele, trata-se de rejeitar a humilhação e construir pontes onde outros erguem muros, como reiterou ao clamar por uma “revolução” nas relações com os EUA. É um ideal que evoca o pan-africanismo dos anos 70, prometendo um mundo onde a força cede à empatia.
Mas essa retórica esbarra em uma contradição: Rasool desrespeitou uma norma sagrada da tradição africana — a hospitalidade. Na cultura sul-africana, especialmente entre os Cape Malay, de onde ele provém, o hóspede deve honrar o anfitrião. Criticar abertamente o governo Trump em solo americano, como fez, foi uma indelicadeza que traiu esse princípio, um gesto irrazoável para alguém de sua estatura diplomática. Ele mordeu a mão que o acolhia, e o preço foi sua expulsão.

Durante a Guerra do Peloponeso entre Esparta e Atena o historiador Tucídides em 416 a.C., em “O Diálogo Meliano”, ilustra a fragilidade de tais ideais. Melos, uma ilha neutra, enfrentou Atenas com apelos à justiça e à honra, recusando submissão. Os atenienses retrucaram: “Um dialago de igualade só pode pode ser feito entre forças equivalentes”, e que “o forte faz o que pode, e o fraco sofre o que deve.” Sem poder ou aliados, Melos foi aniquilada.
Rasool repete esse erro ao desafiar com sua palavras os EUA uma superpotência cujo domínio econômico e militar a África do Sul não pode contrabalançar. Sua expulsão não é um triunfo do Ubuntu, mas a consequência de provocar o “dono da casa” sem meios para sustentar a afronta.
A história recente corrobora essa lição. Em 2003, os EUA invadiram o Iraque sob pretextos frágeis, ignorando a soberania nacional e os clamores globais por diálogo. Bagdá caiu, e o fraco sofreu. Em 1999, a OTAN bombardeou Belgrado durante a Guerra do Kosovo, atingindo alvos civis em nome de uma intervenção “humanitária”. A Sérvia, impotente, cedeu. Na Ucrânia, desde 2014, a Rússia impõe sua vontade, com cidades como Mariupol devastadas em 2022, apesar de apelos à justiça internacional. A China, por sua vez, subjugou o Tibete desde os anos 50, suprimindo sua cultura sob ocupação militar, e hoje encarcera minorias muçulmanas em Xinjiang, como os uigures, em campos de “reeducação”. Em todos esses casos, o poder prevaleceu sobre a moralidade.
Mesmo na África, o Ubuntu é uma quimera. A França mantém uma presença neocolonial no Sahel, em países como Mali e Níger, sustentada por força militar e acordos econômicos que perpetuam a dependência. Nações africanas também se voltam umas contra as outras: Uganda, desde 2023, intensifica sua incursão no leste do Congo, explorando recursos e agravando um conflito que já deslocou milhões.
Rasool ignora essas realidades ao agitar a multidão com promessas de dignidade. A África do Sul, dependente do comércio com os EUA, não tem alavancas para redefinir relações com uma potência que pode retaliar com sanções. Sua crítica a Trump, feita em solo americano, foi um ato de imprudência, não de coragem. O Ubuntu, com sua visão de empatia global, colide com a lógica milenar da força.
Desde Melos até o Congo, o poderoso dita os termos, e o fraco — por mais eloquente que seja seu discurso — curva-se ou perece. Rasool sonha com um mundo que a história, antiga e moderna, insiste em negar. Seu retorno triunfal é menos uma vitória do Ubuntu e mais um eco de utopias que, diante da realpolitik, permanecem inacessíveis.


