BBC – Ele é bilionário, neto de imigrantes, está entre as figuras mais conhecidas na imprensa, política e economia de Nova York e agora quer “reconstruir os Estados Unidos” como presidente.
Não, não estamos falando de Donald Trump. Ele, aliás, é bem mais rico que o atual presidente: o empresário, magnata da mídia e filantropo americano Michael Bloomberg.
O homem com a oitava maior fortuna do mundo, segundo a revista Forbes, entrou nas disputas primárias do Partido Democrata para escolher o candidato da sigla na eleição presidencial de 2020.
“Me proponho a ser presidente a fim de derrotar Donald Trump e reconstruir os EUA. Acredito que meu conjunto único de experiência em negócios, governo e filantropia me permitirá ganhar e liderar”, escreveu no Twitter.
Segundo a imprensa americana, depois de hesitar em participar de campanhas anteriores, Bloomberg decidiu fazê-lo agora por causa do seu temor de que os candidatos democratas com maior apoio até o momento (Joe Biden, Elizabeth Warren e Bernie Sanders) não sejam capazes de vencer o atual presidente.
“Não podemos permitir mais quatro anos das ações imprudentes e antiéticas do presidente Trump. Ele representa uma ameaça existencial ao nosso país e aos nossos valores. Se ganhar outro mandato, nunca poderemos nos recuperar dos estragos”, disse ele em comunicado.
Segundo Anthony Zurcher, correspondente em Washington da BBC, a indicação de Bloomberg é um divisor de águas na campanha democrata, marcada até agora por candidatos que basearam grande parte de seu discurso no debate sobre a desigualdade de riqueza nos Estados Unidos.
Bloomberg, de 77 anos, tem uma fortuna estimada pela Forbes em US$ 54 bilhões (cerca de R$ 228 bilhões), e Trump, de US$ 3 bilhões (ou R$ 13 bilhões).
Segundo um estudo da organização não governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse referentes a 2015, os oito homens mais ricos do mundo possuíam tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre do planeta.
No início de novembro, quando a possibilidade da candidatura de Bloomberg começou a ser comentada, Trump afirmou que “não havia mais ninguém que preferisse enfrentar do que o pequeno Michael”.
A campanha do democrata já separou mais de US$ 30 milhões (quase R$ 127 milhões) em anúncios na televisão, considerada a maior compra de publicidade política na história das eleições primárias do país.
Ele também anunciou que sua campanha será paga com seu próprio dinheiro, algo que Trump prometeu no início de sua campanha nas primárias republicanas (e não cumpriu).
Mas quem é esse ultrarrico que agora enfrenta Trump sob o lema “reconstruir os Estados Unidos” e que pode transformar o duelo das eleições de 2020 em uma competição entre bilionários?
Quem é Bloomberg?
Nascido em 1942, na cidade de Boston, Massachusetts, Bloomberg cresceu em uma família judia cujos ancestrais vieram da região que hoje chama-se Belarus.
Ele estudou engenharia elétrica na Universidade Johns Hopkins e depois fez um mestrado em administração de empresas na Universidade Harvard que marcaria o resto de sua vida e sua fortuna.
Depois de se formar, seu primeiro trabalho foi em Wall Street: ingressou no banco de investimentos Salomon Brothers, onde era responsável pelo comércio de ações e, posteriormente, pelo desenvolvimento de sistemas.
No entanto, em 1981, o banco foi comprado e Bloomberg foi demitido, segundo biógrafos, sem nenhuma compensação. Ele tinha, no entanto, um patrimônio de US$ 10 milhões (cerca de R$ 42,2 milhões, em conversão sem correção monetária) como sócio da empresa, que usou para criar a Innovative Market Systems, empresa que o lançaria no seleto seleto dos homens mais ricos do mundo.
Como já contou em diversas entrevistas, ao trabalhar em Wall Street, ele percebeu que a comunidade financeira estava disposta a pagar por informações comerciais de alta qualidade, entregues o mais rápido possível e de todas as formas possíveis (gráficos, dados, exemplos).
E começou a trabalhar nisso
Menos de um ano depois, o sistema já atendia o banco Merrill Lynch, no final da década, era usado pela maioria dos serviços financeiros dos Estados Unidos.
“Wall Street como a conhecemos hoje não existiria sem suas inovações”, diz uma análise da CNN Business, que destaca a visão da Bloomberg de entender que o futuro do setor bancário passaria por tecnologia e comunicação.
Em 1987, a empresa foi rebatizada como Bloomberg L.P. e logo lançou produtos auxiliares, como Bloomberg Message e Bloomberg Tradebook, ferramentas que variam de relatórios financeiros a serviços de mensagens para bancos.
Mas logo começou a usar seus ganhos para criar um dos maiores serviços de notícias financeiras do mundo, Bloomberg News, que contava com uma rede de rádio e um serviço de informações de televisão a cabo.
Segundo a revista Forbes, seu patrimônio líquido em 2019 foi de mais de US$ 54 bilhões, o que faz dele a oitava pessoa mais rica do mundo.
Para se ter uma ideia, essa cifra não apenas ofusca o valor do império imobiliário de Trump, mas também deixa para trás a fortuna combinada de outros magnatas da imprensa, como Rupert Murdoch, Ted Turner e Sumner Redstone, de acordo com a Forbes.
Mas, diferentemente do atual inquilino da Casa Branca, Bloomberg não é um novato na política: sua fortuna também o levou a jogar com o poder como prefeito de Nova York (2002-2013) e a considerar a possibilidade, há mais de uma década, de entrar na corrida presidencial.
Caminho para a política
Bloomberg entrou para a política em ano e lugar decisivos para os EUA: 2001 e Nova York.
Foi então que ele também começou a mostrar um lado que muitos de seus críticos apontaram ao longo dos anos: sua ambivalência política por conveniência.
O magnata, membro vitalício do Partido Democrata, decidiu concorrer à prefeitura de Nova York pelo Partido Republicano.
Ele sucederia outro republicano: Rudolph Guiliani, o atual advogado de Donald Trump, que está sob os holofotes por causa de sua atuação na ofensiva de Trump na Ucrânia para investigar outro rival democrata, o ex-vice-presidente Joe Biden. Este, aliás, também disputa as primárias em busca do posto de candidato democrata na eleição de 2020.
A votação para o prefeito de Nova York, coincidentemente, começou na manhã de 11 de setembro de 2001, embora as primárias acabassem tendo que ser adiadas após os ataques às Torres Gêmeas.
Um ano depois, Bloomberg não apenas se tornou prefeito da cidade mais populosa do país como também foi reeleito em duas outras ocasiões, o que foi alvo de várias críticas por estender o mandato para esse cargo.
Mas, apesar da oposição de várias organizações civis, ele permaneceu no cargo até 2013, tendo deixado o Partido Republicano antes disso, tornando-se independente.
Embora durante seu mandato o padrão de vida em Nova York tenha melhorado e o crime, diminuído, Bloomberg ficou marcado por implementar um controle policial excessivo e ostensivo na cidade.
O mais notável era um programa conhecido como “pare, pergunte e registre“, que permitia aos agentes de segurança pararem as pessoas temporariamente, interrogá-las e, às vezes, revistá-las nas ruas em busca de armas e contrabando.
Essa política se concentrou mais em negros e latinos e foi classificada por muitas entidades de racista.
Neste mês, Bloomberg disse que esse programa foi um erro e pediu desculpas.
De um lado ao outro
Politicamente, Bloomberg apoia questões controversas, como o direito ao aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e defende medidas mais rígidas para o controle de armas.
Também sempre se posicionou a favor de padrões ambientais rígidos, combate às mudanças climáticas e concessão de cidadania a imigrantes irregulares no país. Por outro lado, se opõe a um sistema de saúde regulamentado pelo governo e à legalização da maconha.
Segundo a imprensa americana, em termos econômicos e políticos, suas visões tendem a ser mais conservadoras, ao mesmo tempo em que defendem a participação do governo em questões como bem-estar público e promovem um ambiente livre de negócios. Sua entrada na disputa pelo posto de candidato democrata em 2020 gerou desconforto entre alguns colegas de partido, como os senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Para eles, trata-se de outro bilionário que busca usar sua fortuna para ganhar votos e fechar negócios no Salão Oval.
“Não gosto da ideia de que Michael Bloomberg ou qualquer bilionário pense que eles podem ignorar o processo político e gastar dezenas de milhões de dólares para comprar eleições”, tuitou Sanders.
O magnata, ao patrocinar sua campanha com seu próprio dinheiro, não terá que aparecer nos debates presidenciais democratas, que exigem que os candidatos recebam pelo menos 10 mil doações individuais para fazer parte deles.
“Se você não pode gerar apoio popular para sua candidatura, não precisa se candidatar à Presidência”, disse Sanders.
Segundo pesquisa recente da CBS News/YouGov, 78% dos eleitores democratas estavam satisfeitos com os candidatos que estavam no páreo antes da entrada do bilionário na disputa.
Para Anthony Zurcher, correspondente em Washington da BBC, é uma jogada arriscada que apenas alguém com a riqueza de Bloomberg pode se dar ao luxo de fazer.
“Ainda assim, é preciso ter fé para imaginar que os democratas hoje em dia estão dispostos a indicar um ex-plutocrata republicano com um histórico favorável aos negócios, fiscalmente conservador e contrário à saúde pública e com um passado de medidas policiais agressivas”, afirma Zurcher.
“De todo modo, sua entrada na disputa oferece um meio de empurrar para o centro o partido que Bloomberg vê em um caminho perigoso para a esquerda”, acrescenta o jornalista.