
Boston, 30 de Julho d 2025 – Nas ruas de Roxbury, Dorchester e Mattapan, o tempo parece escoar mais rápido. Em Back Bay, bairro de elite em Boston, a expectativa de vida alcança 92 anos, um reflexo de privilégios que garantem saúde e bem-estar. A poucos quilômetros dali, em Roxbury, majoritariamente negro, a média cai para 69 anos; em Dorchester, para 72; e em Mattapan, para 74. São até 23 anos de diferença, um abismo que separa vidas dentro de uma mesma cidade, como se alguns bairros carregassem o peso de um “terceiro mundo” em meio à prosperidade.
Essa realidade, que divide Boston, é a mesma que de cidades como Worcester, Framingham e Milford, onde comunidades brasileiras enfrentam desafios semelhantes, marcados pela desigualdades raciais e a luta diária por dignidade.
Em Boston, as disparidades vão além da geografia. Negros vivem, em média, sete anos a menos que outros residentes, e homens negros enfrentam uma diferença ainda maior, de dez anos. A pobreza infantil agrava o quadro: em Mattapan, 34% das crianças menores de 5 anos crescem abaixo da linha da pobreza, a maior taxa da cidade. Dados da American Community Survey (2019-2023) revelam que a renda média em Roxbury é de apenas 49.921 dólares, contra 162.257 dólares em South Boston e Seaport.
Entre grupos raciais, brancos têm renda média de 131.953 dólares, enquanto negros (58.628 dólares) e latinos (53.873 dólares) ficam muito atrás. Esses números desenham um quadro de desigualdade que não se limita a Boston, mas esta presente em outras cidades americanas e em comunidades imigrantes de Massachusetts.
Em Worcester, a segunda maior cidade do estado, com cerca de 206.000 habitantes, a comunidade brasileira, presente desde os anos 1980, revitaliza bairros como Main South com restaurantes e igrejas, mas enfrenta barreiras. A taxa de pobreza atinge 20,2%, e 25% das crianças vivem em condições de vulnerabilidade, com acesso limitado a saúde e moradia digna. A expectativa de vida, em média 78,5 anos, é inferior à de cidades ricas como Newton (94,2 anos).
Em Framingham, onde brasileiros compõem até 15% da população de 72.000, a pobreza infantil chega a 18%, e a expectativa de vida, cerca de 80 anos, varia entre bairros, com áreas imigrantes enfrentando condições precárias. Milford, com 30.000 habitantes, tem uma comunidade brasileira menor, mas semelhante, com 15% das crianças em pobreza e expectativa de vida de 79 anos, impactada por empregos de baixa renda e barreiras linguísticas. Outras cidades de Massachusetts, como Marlborough e Everett, refletem esse padrão.
Em Marlborough, com 41.000 habitantes, a pobreza atinge 8,7% e 12% das crianças, enquanto em Everett, com 49.000, a taxa é de 11,5%, com 20% das crianças em pobreza. A expectativa de vida em ambas gira em torno de 78-80 anos, mas é menor em áreas com imigrantes, incluindo brasileiros.
Em Lawrence e Chelsea, onde latinos (muitos imigrantes) representam 80% e 66% da população, respectivamente, a pobreza chega a 24% e 20%, e a expectativa de vida média é de 78 anos, contra 94,2 em Newton.
Os brasileiros, frequentemente classificados como “outros” em pesquisas, enfrentam desafios semelhantes aos de latinos, como moradia precária e acesso limitado a serviços de saúde, agravando desigualdades. Além de Massachusetts, cidades como Nova York e Miami mostram contrastes semelhantes.
No Bronx, em Nova York, a expectativa de vida é de 70 anos, contra 86 no Upper East Side, e a pobreza infantil atinge 32% entre crianças negras e 26% entre latinas. Em Miami, bairros como Overtown e Liberty City, com comunidades negras e imigrantes, enfrentam pobreza infantil de cerca de 30% e condições de vida precárias.
Um estudo nacional aponta que diferenças de até 25 anos na expectativa de vida são comuns em grandes cidades dos EUA, refletindo um “terceiro mundo” urbano onde pobreza, segregação racial e acesso desigual a recursos moldam destinos. Doenças cardiometabólicas, como diabetes e problemas cardíacos, estão entre as principais causas de morte antes dos 65 anos em Boston, impactando desproporcionalmente comunidades de cor e imigrantes.
Fatores como pobreza, moradia inadequada e insegurança alimentar agravam o quadro, especialmente em bairros como Roxbury e em cidades como Worcester, onde brasileiros enfrentam barreiras linguísticas e empregos precários. Em resposta, Boston destinou 5 milhões de dólares a coalizões comunitárias em Roxbury, Dorchester e Mattapan, com ações como triagem financeira, aulas de inglês, treinamento profissional e distribuição de alimentos, visando reduzir a disparidade de expectativa de vida até 2035. Essa verba, parte de um compromisso de 10 milhões da Atrius Health Equity Foundation, apoia organizações como os Boys and Girls Clubs e a Dorchester Food Co-op. Nas ruas de Roxbury, Worcester ou Framingham, a desigualdade é mais do que números — é a realidade de crianças crescendo em pobreza, de famílias lutando por moradia e de comunidades brasileiras que, apesar de sua vitalidade cultural, enfrentam barreiras estruturais.
De Back Bay a Main South, de Mattapan ao Bronx, o contraste entre riqueza e privação desenha um mapa de vidas encurtadas. Em Boston, como em tantas cidades americanas, a luta por equidade começa com o reconhecimento de que o lugar onde se vive pode determinar quantos anos se tem para sonhar.
Referencias:
- Prefeitura de Boston – https://www.boston.gov/government/cabinets/boston-public-health-commission
- Oxfam Brasil – https://www.oxfam.org.br/o-que-fazemos/desigualdade-social/entenda-as-causas-da-desigualdade-social-e-como-afeta-a-populacao/
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Atrius Health Equity Foundation – https://www.atriushealth.org/
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Boys and Girls Clubs of Boston – https://www.bgcb.org/