Da Redação – Profissionais do sexo do região de Greater Boston e apoiadores reunidos no Coletivo de Trabalhadoras Sexuais e Aliados de Boston (BSWAC), muitas delas imigrantes, estão em estado de alerta diante de um escândalo que expôs uma rede de casas noturnas dedicados a atividade de exploração sexual de alto padrão em Cambridge e Watertown. O caso, ainda em trâmite no sistema judicial de Massachusetts, ganhou destaque em março de 2025 com a identificação pública de mais de 30 clientes — incluindo figuras notáveis da sociedade local — seguida da condenação criminal de seus operadores, como Han Lee, sentenciada a quatro anos de prisão. Esse fato reacendeu os debates sobre a criminalização do sexo pago, as profissionais, muitas delas imigrantes, pedem por mudanças que as protejam em vez de puni-las.
O Coletivo contesta a exposição dos clientes, uma prática autorizada pela Suprema Corte de Massachusetts em novembro de 2024 após pressão da imprensa. Para o grupo, isso compromete a segurança das trabalhadoras, pois desencoraja os clientes a denunciarem casos de tráfico ou violência que presenciem, temendo represálias públicas. “Clientes hesitam em fornecer informações de triagem que usamos para nos proteger”, explica Jessica Van Meir, cofundadora do BSWAC. “Esperamos que este seja um momento para sensibilizar os legisladores sobre nossas necessidades”, acrescenta ela, defendendo que a atenção ao caso inspire leis bem fundamentadas, e não reações punitivas precipitadas.
Essas mulheres, em sua maioria, carregam um estigma histórico e cultural que as marginaliza. Não é segredo que muitas imigrantes recorrem ao trabalho sexual como meio de sobrevivência nos EUA.
Contudo, um senso moral dominante as condena à invisibilidade, ignorando sua existência real e os riscos que enfrentam. Surge, então, uma questão premente: não seria o momento de discutir a regulação dessa atividade para garantir segurança e dignidade a essas profissionais?
O BSWAC apoia três projetos de lei em Massachusetts que buscam mudar esse cenário. Um deles, patrocinado pela deputada de Leominster, Natalie Higgins, propõe incluir a venda de sexo na lista de crimes com imunidade para quem relata outros delitos. “As leis atuais muitas vezes colocam as trabalhadoras sexuais em risco, pois não consideram o contexto em que elas obtêm certas informações”, afirma Higgins, ex-conselheira de vítimas de estupro e copresidente de uma força-tarefa sobre violência sexual no legislativo estadual. “Queremos garantir que qualquer pessoa que sofra ou testemunhe um crime possa denunciá-lo sem temer ser detida”, completa.
Sob essa proposta, a compra de sexo permaneceria ilegal, mas as trabalhadoras ganhariam proteção.
Outra iniciativa, liderada pela deputada de Clinton, Meghan Kilcoyne, propõe criar um comitê interinstitucional para estudar a descriminalização, inspirado em um modelo recente de Rhode Island. “Muitas pessoas se dedicam ao trabalho sexual, e uma comissão nos ajudaria a entender se essa abordagem melhora a saúde pública e a segurança da sociedade”, declarou Kilcoyne em nota.
Já a deputada de Northampton, Lindsay Sabadosa, apresenta um projeto para revogar leis como a que pune a “solicitação de prostitutas” e outra que impõe penas mínimas a “andarilhos noturnos habituais” na terceira condenação. “Precisamos eliminar barreiras legais que perpetuam o estigma e a vulnerabilidade”, argumenta Sabadosa.
Nos EUA, há exemplos de regulação. Em Nevada, desde 1971, o trabalho sexual é legal em condados como o de Las Vegas, com casas licenciados que exigem exames de saúde regulares, contratos formais e medidas contra exploração. Estudos locais mostram que isso reduz a clandestinidade e dá às trabalhadoras mais autonomia. Por que, então, Massachusetts hesitam em seguir esse modelo?
O caso de Boston expõe um paradoxo: a visibilidade destaca as condições das profissionais, mas as deixa desprotegidas num sistema que as penaliza. Ariela Moscowitz, do Decriminalize Sex Work, reforça: “Onde o trabalho sexual é criminalizado, as trabalhadoras dependem de terceiros para encontrar clientes, o que as torna mais vulneráveis ao tráfico.”
O BSWAC também critica a ausência das vozes das profissionais nesse processo. “Sem seus depoimentos, é impossível distinguir escolha de coerção”, dizem, alertando que vítimas podem ser pressionadas a alegar tráfico para evitar deportação.
No Brasil, onde o tema enfrenta preconceitos arraigados, a realidade é semelhante: o trabalho sexual existe, mas suas praticantes são discriminadas por uma moralidade “de fachada”. Regular a profissão, como em Nevada, poderia oferecer direitos trabalhistas, acesso à saúde e segurança jurídica, desmontando o estigma que as exclui.
O momento de debater esse tema pode agora, antes que mais casos como o de Cambridge perpetuem a marginalização. Reconhecer a existência legal dessas profissionais é o primeiro passo para garantir-lhes a dignidade que a sociedade lhes nega.
Referencias:
Com informações WGBH.ORG
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