COM NY TIMES — Em mais uma medida de endurecimento de sua política para a imigração, o governo de Donald Trump anunciou nesta quarta-feira uma nova regulação que permitirá ao governo americano deter famílias com crianças que cruzam as fronteiras americanas sem documentos por tempo indefinido, substituindo normas em vigor há mais de 20 anos.
As novas regras, que devem provocar questionamento na Justiça, pretendem substituir o chamado Acordo Flores , uma decisão judicial em vigor desde 1997, que determina que crianças não podem ficar em centros de detenção de imigrantes por mais de 20 dias, mesmo que acompanhadas dos pais ou adultos responsáveis. Foi para contornar essa determinação que, no ano passado, Trump implementou uma política, depois revogada, de separar as crianças imigrantes de seus pais e responsáveis, de modo a poder manter os adultos presos.
Na época, pelo menos 2.654 crianças imigrantes foram separadas, de acordo com documentos entregues a um tribunal federal da Califórnia que ordenou a reunificação das famílias.
Funcionários do governo Trump culpavam o Acordo Flores por um pico na entrada de imigrantes pela fronteira com o México, alegando que ele encorajava os estrangeiros em situação irregular a trazer crianças com eles, já que o governo era obrigado a libertá-los antes do julgamento dos seus pedidos de permanência nos EUA, um processo que pode durar semanas e até meses.
Em um comunicado, o diretor interino do Departamento de Segurança Interna, Kevin K. McAleenan, disse que a nova regra permitirá ao governo manter as famílias de imigrantes sem documentos presas e dessa forma a “integridade do sistema imigratório”.
— Este é mais um ataque cruel às crianças, que têm sido alvo das políticas anti-imigração do governo Trump — disse Madhuri Grewal, conselheiro da União Americana de Liberdades Civis. — O governo não deveria estar encarcerando crianças, e com certeza não deveria estar tentando mantê-las mais tempo presas.
Já o governo do México, através de um comunicado do ministério das Relações Exteriores, se disse “preocupado” com a medida. No texto, a chancelaria ainda afirma que “estará atento à implementação das medidas e processos judiciais que possam surgir em torno de sua implementação”.
Com centenas de páginas, a nova regulação também elimina a necessidade de que os centros de detenção federais recebam licenças dos estados, algo que, segundo críticos, pode representar uma piora de suas condições.
O anúncio desta quarta-feira é uma das medidas mais controversas da política de “tolerância zero” implementada por Trump na fronteira com o México. O Acordo Flores era uma das principais barreiras para a implementação da agenda anti-imigração do governo americano.
As novas regras serão publicadas nesta semana e, teoricamente, entrarão em vigor dentro de um prazo de 60 dias. Funcionários do governo, entretanto, admitem que as contestações legais deverão adiar sua aplicação.
As autoridades de imigração americanas têm lidado, desde o ano passado, com um forte fluxo migratório na fronteira com o México, de pessoas que vêm principalmente dos países do chamado Triângulo Norte da América Central — Guatemala, El Salvador e Honduras —, marcados pelos altos índices de pobreza e violência.
Entre outubro do ano passado e o mês de julho, 474 mil famílias foram detidas ou barradas na fronteira com o México, de acordo com o Departamento de Segurança Interna. O total de imigrantes detidos e barrados foi de 862 mil, ainda abaixo do recorde do ano fiscal de 2000, quando 1,6 milhão de pessoas foi detido.
O fluxo, porém, vem diminuindo desde um acordo assinado em junho com o governo mexicano, que reforçou a militarização de sua fronteira com o Triângulo Norte e permitiu que imigrantes rumo aos Estados Unidos aguardassem em seu território o julgamento de seus pedidos de residência nos tribunais de imigração americanos.
No ano passado, o governo Trump argumentou que teria autoridade para essencialmente “acabar” com algumas das restrições estabelecidas pelo Acordo Flores, incluindo o prazo para a detenção das crianças, desde que estabelecesse suas próprias regulações. Na ocasião, Washington disse que substituiria o antigo acordo judicial por medidas similares que garantissem que as crianças “fossem tratadas com dignidade, respeito e preocupação especial por sua vulnerabilidade particular como menores”.
O Acordo Flores, que já foi criticado por governos anteriores, incluindo o do democrata Barack Obama, foi fruto de uma ação coletiva em benefício de jovens refugiadas salvadorenhas que ficaram trancadas em quartos de hotel lotados de crianças e adultos, sem acesso a escola, atividades recreativas ou cuidados médicos, na década de 1980. Até julho deste ano,todas as tentativas de alteração do acordo foram rejeitadas pelos tribunais.