
Em uma entrevista à BBC News Brasil, publicada em 28 de dezembro de 2025, o ex-embaixador dos Estados Unidos no Panamá, John Feeley, afirmou categoricamente: “Assim que Bolsonaro perdeu, ou seja, assim que foi condenado e preso, Donald Trump o viu como um perdedor, e se há algo que Donald Trump não tolera são perdedores. […] Donald Trump simplesmente o descartou.”
Feeley, que se apresenta como especialista em América Latina, não poupou críticas ao presidente americano. Ele descreveu a antiga aliança entre Trump e Bolsonaro como oportunista e cínica: “No caso de Bolsonaro, houve uma sobreposição momentânea de valores sociais conservadores em que, acredito, Bolsonaro realmente acredita, mas que Donald Trump explorou cinicamente entre uma parcela de seus eleitores do MAGA.”
Para o ex-diplomata, o recuo recente dos EUA em ameaças de tarifas e sanções contra o Brasil — como as impostas inicialmente em resposta ao julgamento de Bolsonaro e depois suspensas — não reflete uma vitória diplomática do governo Lula, mas sim a imprevisibilidade e o narcisismo de Trump. “Que Donald Trump é um presidente muito, muito imprevisível, assistemático e economicamente ignorante”, disse ele, acrescentando que Trump é “um homem velho, sociopata e narcisista”, com quem é impossível negociar de forma racional.
Feeley minimizou o papel da diplomacia brasileira, atribuindo a mudança de postura americana principalmente ao lobby de Eduardo Bolsonaro em Washington e à manipulação de Trump por assessores e lobistas. “Acho que Lula, francamente, teve sorte”, afirmou, aconselhando o presidente brasileiro a “se manter fora da órbita de Trump, na medida do possível”. Ele elogiou o sistema judiciário brasileiro como exemplo de resiliência democrática pós-8 de janeiro, sugerindo até que os EUA poderiam se inspirar nele para impor limites ao Executivo.
Essas declarações pintam um quadro severo: Trump como um líder personalista, manipulável e desleal, que abandona aliados assim que eles perdem utilidade política.
No entanto, é essencial contextualizar quem é John Feeley para avaliar o peso real dessas afirmações. Feeley não é um observador neutro ou imparcial — ele é um opositor declarado e visceral de Donald Trump desde o primeiro mandato. Nomeado embaixador no Panamá pelo presidente Barack Obama em 2015, Feeley pediu demissão em 2018 explicitamente por não suportar as políticas de Trump. O ponto de ruptura, segundo ele próprio em entrevistas à época (como à CNN e Newsweek), foi a resposta morna de Trump aos eventos de Charlottesville, quando o presidente não condenou de forma clara e imediata os extremista alinhados a direita americana. “Quando o Presidente falhou em condenar outright e fully aqueles organizadores e as pessoas carregando tochas tiki, eu soube que não poderia continuar servindo como seu representante pessoal”, declarou Feeley na ocasião.
Sua trajetória revela alinhamentos claros com pautas progressistas típicas da agenda democrata americana e de setores “woke”: críticas ao isolacionismo trumpista, oposição a políticas restritivas de imigração (como o muro na fronteira e o travel ban) e ênfase politica em temas como igualdade racial, reparação histórica e proteção a supostas minorias. Como diplomata na América Latina, Feeley foi vocal em promover agendas de direitos LGBTQ+, destacando publicamente as dificuldades enfrentadas pela comunidade na região e defendendo avanços em reconhecimento e proteção — posturas que contrastam frontalmente com o conservadorismo social explorado por Trump e Bolsonaro.
Embora Feeley tenha raízes em um republicanismo clássico e moderado, sua saída ruidosa do governo Trump e suas críticas constantes o colocaram, na prática, no campo dos anti-trumpistas, alinhado funcionalmente com democratas e ex-republicanos críticos como Liz Cheney. Suas análises sobre Trump invariavelmente partem de uma lente negativa, interpretando ações do presidente como prova de narcisismo, imprevisibilidade ou oportunismo cínico.
Isso não desqualifica completamente sua experiência diplomática — Feeley conhece os bastidores da política externa americana. Mas torna suas opiniões profundamente enviesadas. Afirmar que Trump “não suporta perdedores” e “descartou” Bolsonaro pode soar plausível para críticos de Trump, mas permanece uma interpretação subjetiva, não um fato comprovado por declarações internas da Casa Branca ou evidências diretas.
No fim das contas, o que Trump realmente pensa sobre Bolsonaro só ele sabe. O resto é especulação — e, no caso de Feeley, especulação carregada de um rancor e ativismo ideológico evidente contra o presidente americano.
Opiniões de ex-diplomatas com viés declarado não se tornam verdades absolutas só porque vêm embaladas com credenciais oficiais. Elas merecem ser lidas com cautela, especialmente quando servem mais para reforçar narrativas políticas polarizadas do que para iluminar fatos objetivos.


