JCEditores – Em um caso que chamou a atenção nos Estados Unidos, Sean Patrick Palmer, um residente de 49 anos da cidade de Perkins, Oklahoma, declarou-se culpado, em 20 de março, perante um tribunal federal em Boston, por tentar destruir a sede do Templo Satânico (The Satanic Temple, TST) em Salem, Massachusetts, com uma bomba caseira, conhecida como ‘pipe bomb’. O incidente, ocorrido na madrugada de 8 de abril de 2024, revelou não apenas a audácia do ato, mas também as tensões culturais e religiosas que o motivaram.
Segundo as autoridades, Palmer foi flagrado por câmeras de segurança às 4h14, aproximando-se do edifício do TST trajando uma máscara preta, um colete tático bege e luvas. Ele acendeu um dispositivo explosivo improvisado – composto por um cano plástico de aproximadamente 60 centímetros, envolto em pregos de metal e preenchido com pólvora sem fumaça – e o lançou contra a entrada principal da construção. Após o ataque, fugiu correndo. Felizmente, a bomba não detonou por completo, resultando apenas em danos leves à fachada e um pequeno incêndio, o que evitou consequências mais graves.
A investigação conduzida pelo FBI, pelo Bureau de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF) e por forças policiais locais revelou evidências contundentes contra Palmer. Seu DNA foi identificado na superfície do artefato explosivo, e uma nota manuscrita de seis páginas, encontrada em um canteiro próximo ao local, trouxe à tona suas motivações.
Endereçada a “Caro Satanista”, a mensagem continha trechos como: “Elohim me enviou há sete meses para dar uma mensagem pacífica na esperança de que vocês se arrependessem. Vocês disseram não, agora Elohim me enviou para combater Satanás e estou feliz em obedecer”. A nota sugeria uma missão divina de destruição, com apelos ao arrependimento e críticas ao Templo Satânico, interpretado por Palmer como uma afronta religiosa.
Preso em 17 de abril de 2024 em sua cidade natal, Palmer foi indiciado em maio do mesmo ano por utilizar um explosivo para danificar um prédio envolvido em comércio interestadual, uma acusação que reflete a gravidade do ato perante a lei federal americana.
A sentença, a ser definida em 12 de junho de 2025 pela juíza federal Indira Talwani, pode variar entre 5 e 20 anos de prisão, acompanhada de três anos de liberdade supervisionada e uma multa de até 250 mil dólares. O caso foi conduzido pela procuradora-assistente Jason A. Casey, da Unidade de Segurança Nacional do Departamento de Justiça dos EUA.
O ataque ao Templo Satânico, uma organização que também funciona como galeria de arte pública em Salem, expõe as controvérsias que cercam o grupo e sua presença na sociedade americana. Embora o incidente tenha sido contido, ele reacende debates sobre tolerância religiosa, liberdade de expressão e os limites do ativismo em um país marcado por diversidade de crenças.
O Templo Satânico
Fundado em 2013, o Templo Satânico é uma organização não teísta sediada em Salem que utiliza Satanás como símbolo de resistência e promoção do secularismo, da razão e da liberdade individual. Guiado por sete princípios éticos, defende separação entre Igreja e Estado e direitos civis, como os reprodutivos, por meio de ações públicas.
Diferente da Igreja de Satanás, foca em ativismo, não em rituais. Apesar disso, enfrenta controvérsias e ‘certas’ hostilidades por seu simbolismo provocativo.
Garantias constitucionais
O ataque perpetrado por Sean Patrick Palmer contra a sede do Templo Satânico, pode ser analisado como um ato de intolerância religiosa sob a perspectiva legal e ética que rege tanto a Constituição dos Estados Unidos quanto os princípios fundamentais das nações ocidentais.
A Primeira Emenda da Constituição americana garante a liberdade de religião, estabelecendo que “o Congresso não fará lei alguma que restrinja o livre exercício” de crenças religiosas, além de proibir a imposição de uma religião oficial.
O Templo Satânico, reconhecido como organização religiosa não teísta, exerce seu direito constitucional ao promover sua filosofia e atividades, como a galeria de arte pública em Salem. O ato de Palmer, ao tentar destruir sua sede com um explosivo, motivado por uma visão religiosa oposta – conforme evidenciado em sua nota manuscrita que invoca “Elohim” contra “Satanás” –, configura uma agressão direta a esse direito. Tal conduta não apenas viola a liberdade de culto do TST, mas também contraria o princípio de igualdade religiosa, pois busca suprimir uma crença minoritária por meio da violência.
Nas nações ocidentais, a intolerância religiosa é amplamente condenada em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 18), que assegura o direito de “manifestar sua religião ou crença, isoladamente ou em comunidade”, e a Convenção Europeia de Direitos Humanos (artigo 9), que protege a liberdade de pensamento, consciência e religião. O ataque de Palmer, ao visar uma organização por suas convicções simbólicas, desafia esses preceitos universais, refletindo um esforço de impor sua visão teológica sobre outro grupo, em detrimento do pluralismo.
Ademais, a nota deixada por Palmer revela uma justificativa fundamentada em dogmas pessoais, interpretando o Templo Satânico como uma afronta moral que deveria ser eliminada. Esse comportamento exemplifica a intolerância religiosa na sua forma mais explícita: a recusa em aceitar a coexistência pacífica de crenças diversas, substituída por uma tentativa de aniquilação física. Tal ato não encontra amparo legal ou ético nas democracias ocidentais, que priorizam a resolução de conflitos por diálogo e não por violência.
Por outro lado, poder-se-ia argumentar que Palmer via sua ação como uma defesa de sua própria fé, um exercício de liberdade religiosa. Contudo, esse raciocínio é insustentável, pois o direito à crença não inclui o direito de infringir os direitos alheios ou de recorrer a meios ilícitos, como o uso de explosivos, que a lei americana classifica como crime grave (18 U.S.C. § 844).
O atentado de Palmer contra o Templo Satânico constitui, sim, um ato de intolerância religiosa, condenado tanto pela Constituição dos EUA quanto pelos padrões éticos e jurídicos do Ocidente. Ele reflete uma rejeição ao pluralismo e à liberdade de culto, valores essenciais à convivência democrática, e justifica a resposta judicial que busca puni-lo como transgressor desses princípios.