JSNEWS – No último domingo, 15 de junho de 2025, enquanto os Estados Unidos celebravam o Dia dos Pais, Caroline Dias Goncalves, uma brasileira de 19 anos, não pôde comemorar a data com seu pai na casa da família, no Condado de Utah. Também não pôde ir para seu curso de enfermagem na Universidade de Utah, onde é bolsista por mérito, nem sair com amigas para os shows de música country de que tanto gosta. Há mais de dez dias, Caroline está detida em um centro de imigração em Aurora, Colorado, após ser parada por uma infração de trânsito e posteriormente detida por agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE, na sigla em inglês).
Caroline, a mais nova de quatro irmãos, vive nos Estados Unidos desde os sete anos, quando chegou com a família em 2012, com um visto de turista de seis meses. Segundo o jornal The Salt Lake Tribune, a família decidiu permanecer no país devido a episódios de violência sofridos no Brasil, incluindo assaltos e situações em que foram feitos reféns.
Há três anos, solicitaram asilo, e, enquanto aguardam a decisão, receberam permissões de trabalho, carteiras de motorista limitadas e números de Seguro Social. Caroline, que não possui antecedentes criminais, trabalha e estuda na Universidade de Utah, onde ingressou com uma bolsa da organização sem fins lucrativos TheDream.US, voltada para jovens imigrantes.
O incidente ocorreu em 5 de junho de 2025, quando Caroline dirigia o carro do pai para visitar amigos em Denver, Colorado. Próximo à cidade de Fruita, na Interestadual 70, ela foi parada pelo policial Alexander Zwinck, do Escritório do Xerife do Condado de Mesa, por dirigir muito próxima a um caminhão.
Imagens da câmera corporal do delegado, divulgadas posteriormente, mostram que ele questionou a autenticidade da carteira de motorista de Caroline e perguntou sobre sua origem, comentando sobre um suposto sotaque. “De onde você é? Você tem um leve sotaque”, disse Zwinck. Caroline respondeu: “Sou de Utah”. Apesar de ser liberada com uma advertência após cerca de 40 minutos, ela foi parada novamente, minutos depois, por agentes do ICE, que a detiveram e a levaram ao centro de detenção em Aurora.
Segundo Gaby Pacheco, CEO da TheDream.US, Caroline conversava por viva-voz com uma amiga, Maddie, durante a primeira parada. Maddie ouviu o diálogo com o delegado, que pediu documentos e perguntou insistentemente sobre a origem de Caroline. Após ser liberada, Caroline ligou para sua melhor amiga, Megan Clark, de 20 anos, para relatar o ocorrido. Enquanto ainda conversavam, Caroline informou que estava sendo parada novamente e, em seguida, seu telefone foi desligado, e sua localização ficou paralisada na rodovia. Após horas sem notícias, Megan foi à casa dos pais de Caroline, que só descobriram no sábado, 7 de junho, que ela estava detida em Aurora. Desde então, Caroline mantém contato diário com a família por telefone, embora precise de fundos enviados para cobrir os custos das ligações. Ela relatou estar em uma cela com 17 pessoas, a maioria mulheres mais velhas que falam espanhol, idioma que ela não domina, e mencionou desconforto com a comida, composta principalmente por tacos e burritos.
O Escritório do Xerife do Condado de Mesa reconheceu que a detenção envolveu uma prática ilegal. Seus delegados participavam de um grupo de comunicação com agências locais, estaduais e federais, voltado para o combate ao tráfico de drogas. Contudo, esse grupo foi usado indevidamente para compartilhar informações de imigração, violando a lei do Colorado, que proíbe investigações sobre status de residência em interações policiais. O escritório afirmou que desconhecia o uso indevido do grupo e removeu todos os seus membros dele, iniciando uma investigação interna para garantir conformidade com a legislação estadual. O delegado Zwinck, integrante da equipe de interdição de drogas e handler de um cão policial, foi identificado como o responsável pela parada inicial.
A detenção de Caroline ocorre em um contexto de endurecimento da política de imigração no segundo mandato do presidente Donald Trump. No início de junho, cerca de 51 mil imigrantes indocumentados estavam detidos pelo ICE, o maior número desde setembro de 2019. Autoridades da Casa Branca indicaram a intenção de aumentar as prisões para 3 mil por dia, contra 660 nos primeiros 100 dias do governo. Embora as operações sejam oficialmente direcionadas a criminosos e ameaças à segurança, muitos detidos, como Caroline, não possuem antecedentes criminais.
Caroline terá sua primeira audiência judicial em 18 de junho, e seu advogado, Jonathan M. Hyman, espera que ela seja libertada mediante fiança. Hyman destacou à emissora KSL TV que a detenção, sem mandado e sem solicitação de identificação pelo ICE, é potencialmente inconstitucional e pode justificar a anulação do processo. “A aplicação indiscriminada das leis de imigração é de natureza autoritária e não se baseia nos princípios que criaram nossa democracia”, afirmou.
Amigas de Caroline, lideradas por Megan Clark, organizaram uma campanha no GoFundMe, iniciada em 7 de junho, que arrecadou US$ 25.082, superando a meta de US$ 20.000, para custear honorários advocatícios, fiança e despesas de viagem. Diferentemente de fianças comuns, em casos de imigração, o valor total deve ser pago antecipadamente, o que eleva os custos. A TheDream.US também lançou um abaixo-assinado pela libertação de Caroline, com mais de 1,8 mil assinaturas, e um comunicado público condenando a detenção. “Ninguém deveria ser tratado dessa forma, especialmente uma jovem que fez tudo corretamente”, diz a descrição da campanha.
Megan, que conhece Caroline desde a 7ª série e divide o dormitório com ela na universidade, descreveu a amiga como extrovertida, amante de música country e dança swing, e dedicada à academia. Foi Megan quem a convenceu a trocar o curso de Administração de Empresas e Marketing por Enfermagem, por ser uma carreira mais flexível para seus planos futuros de formar uma família. “Ela se encaixa perfeitamente, ama as mesmas coisas que a maioria dos jovens americanos”, contou Megan à BBC News Brasil.
A família de Caroline, temerosa de represálias do ICE, evita contato com a imprensa. Um parente, sob anonimato, disse ao The Salt Lake Tribune: “Não podemos fazer nada. Estamos com medo. Não estamos presos com ela, mas é como se estivéssemos”.
O Itamaraty informou que não foi contatado pela família, mas que buscará informações sobre o caso após notificação da BBC News Brasil. O ICE confirmou o recebimento de questionamentos, mas não respondeu até o momento.
A prisão de Caroline gerou controvérsia no Colorado, com suspeitas de colaboração indevida entre a polícia local e o ICE, o que pode levar a uma investigação mais ampla. O Departamento de Polícia de Fruita e a Patrulha Estadual do Colorado negaram envolvimento no caso.