JSNEWS – Nas últimas semanas, a região de Greater Boston e outras cidades de Massachusetts testemunharam uma intensificação significativa nas operações de fiscalização imigratória conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos (ICE). Relatos de prisões, protestos e confrontos com a comunidade local expõem a complexidade e a controvérsia dessas ações, que têm gerado temor entre imigrantes e críticas de organizações de direitos humanos, enquanto defensores da aplicação rigorosa das leis migratórias as consideram necessárias.
Segundo o LUCE Immigrant Justice Network, uma rede de organizações que defende os direitos dos imigrantes, a hotline da organização recebeu mais de 300 chamadas em uma única semana, reportando atividades do ICE em cidades como Waltham, Watertown, Lowell, Lawrence, Lynn, East Boston, Chelsea, Everett, Springfield, Worcester, New Bedford, Milford, Framingham e Acton. As operações começaram a ganhar notoriedade no domingo, com relatos de prisões em Waltham, e se espalharam rapidamente por outras localidades.
Vídeos compartilhados nas redes sociais e reportagens da mídia local, como a WBUR, documentaram ações do ICE, incluindo uma prisão violenta na divisa entre Newton e Watertown na segunda-feira e a detenção de uma mulher brasileira em Worcester na quinta-feira, 08, que desencadeou protestos.
Em Worcester, a reação da comunidade levou a confrontos, com a polícia local intervindo e prendendo duas pessoas durante o tumulto. No fim de semana, novos protestos ocorreram em Framingham, e outro estava planejado para Worcester.
Danny Timpona, voluntário da hotline da LUCE, destacou a falta de transparência nas operações do ICE, descrevendo a situação como “aterrorizante”. Ele observou que, sem um sistema claro de divulgação, muitas prisões passam despercebidas: “Você pode ter um vizinho a dez portas de distância e nunca saber que ele foi levado, porque não há transparência, devido processo ou respeito aos direitos humanos.”
Caso em Chelsea
Um incidente em Chelsea, uma das oito cidades-santuário de Massachusetts, onde a cooperação com o ICE é limitada por políticas locais, chamou atenção.
Na quinta-feira,08, três adolescentes e o pai de um deles foram detidos por agentes do ICE em frente ao Departamento de Polícia de Chelsea. Segundo familiares, os jovens foram inicialmente presos pela polícia local por portarem uma arma de chumbo (tipo espingarda de chumbinho). Após serem liberados, agentes do ICE, que estavam do lado de fora da delegacia, os detiveram.
Vídeos do incidente mostram familiares em desespero, com uma jovem tentando impedir a prisão de seu namorado e caindo no chão após confronto com agentes. Lynce Guerra, irmã de um dos detidos, relatou o trauma causado às crianças presentes, que agora expressam medo da polícia: “Meus filhos acordam à noite, assustados, dizendo que a polícia é má.” Um agente do ICE foi filmado interrogando um jovem dentro da delegacia, perguntando sobre seu status imigratório e informando que ele seria detido.
A polícia de Chelsea negou colaboração direta com o ICE, afirmando que as impressões digitais coletadas de todos os detidos podem ter alertado as autoridades federais. No entanto, familiares, como Lynce Guerra, questionam essa versão, alegando que a presença imediata dos agentes sugere coordenação. Os jovens foram encaminhados para o centro de detenção em Burlington, segundo parentes.
Contexto e Reações
As operações recentes apontam para uma onda anterior de ações do ICE na região, em março, quando 370 pessoas foram detidas em seis dias. Na época, Tom Homan, czar de fronteiras nomeado pelo presidente Donald Trump, prometeu intensificar a fiscalização em Boston, ameaçando trazer “inferno” à cidade. Voluntários da LUCE e de outras organizações, como Jaya Savita, da Asian Pacific Islanders Civic Action Network, comparam o momento atual a uma nova fase dessa campanha, descrita como “mais agressiva” e um “ataque à cidade e ao estado”.
O ICE não respondeu a pedidos de comentário sobre as prisões em Newton, mas emitiu uma declaração sobre o caso de Worcester, afirmando que o alvo era uma “criminosa violenta” com histórico de agressão e violência doméstica.
Dados do próprio ICE, no entanto, indicam que a maioria de suas prisões está relacionada a questões imigratórias, não a crimes graves. Em 2024, a agência reportou que a maior parte de suas detenções envolveu infrações administrativas de imigração.
Enquanto isso, grupos conservadores locais, como “The Bostonians Against Sanctuary Cities”, liderado por Lou Murray, defendem as ações do ICE, argumentando que elas visam remover “criminosos perigosos”, como pessoas com condenações por crimes graves. Murray cita postagens do ICE no X que destacam os antecedentes criminais de alguns detidos, mas reconhece que as ações sob a administração Trump atraem mais atenção e críticas do que em governos anteriores, como o de Barack Obama, que também registrou altos índices de deportações.
Impacto nas Comunidades e Direitos dos Imigrantes
Organizações de apoio a imigrantes, como a “Chelsea Colaborative’s”, enfatizam a importância de informar as comunidades sobre seus direitos, como o de permanecer em silêncio. Milagros Barreto, organizadora da entidade, aconselha imigrantes a evitar sinais visíveis de sua origem, como bandeiras de seus países nos carros, para não atrair a atenção do ICE. A advogada de imigração e vereadora de Chelsea, Roberto Jiménez Rivera, destacou que as impressões digitais coletadas em prisões locais podem acionar notificações automáticas a agências federais, mesmo em cidades-santuário.
As ações do ICE têm gerado um clima de medo, especialmente entre não cidadãos, que se sentem alvos potenciais independentemente de seu histórico. Protestos e confrontos, como os registrados em Worcester e Chelsea, refletem a tensão entre comunidades imigrantes, autoridades locais e federais. Enquanto isso, a ausência de respostas detalhadas do ICE e a percepção de falta de informações intensificam as críticas de grupos progressistas, que acusam a agência de operar com impunidade.
As recentes operações do ICE em Massachusetts, marcadas por prisões em diversas cidades e incidentes de grande visibilidade, expõem a complexidade do debate sobre imigração nos Estados Unidos. De um lado, autoridades federais e defensores da fiscalização rígida argumentam que as ações visam proteger a segurança pública. De outro, comunidades imigrantes e organizações de direitos humanos denunciam a falta de transparência, o impacto psicológico nas famílias e a criminalização de imigrantes, muitos dos quais não possuem condenações criminais.
Enquanto as operações continuam, o diálogo entre segurança, direitos humanos e políticas migratórias permanece profundamente dividido.