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Cidade do Vaticano, 3 de dezembro de 2025 – Uma semana após a publicação do documento Una Caro – Em Louvor da Monogamia, do Dicastério para a Doutrina da Fé, o texto continua gerando repercussão positiva entre teólogos, padres e casais católicos. A razão é simples: pela primeira vez em um documento magisterial do século XXI, o Vaticano usa uma linguagem direta para desmontar o mito de que “a Igreja só permite sexo para procriação”.
“O propósito unitivo da sexualidade não se limita a garantir a procriação, mas ajuda a enriquecer e fortalecer a união única e exclusiva e o senso de pertencimento mútuo”, afirma o parágrafo 3 do texto, assinado pelo cardeal Víctor Manuel Fernández e aprovado pelo Papa Francisco.
A declaração não é novidade doutrinal – já estava clara desde o Concílio Vaticano II –, mas chega num momento em que o estereótipo do “catolicismo anti-sexo” volta a circular nas redes sociais e em debates sobre poliamoria e “relações abertas”. Para muitos fiéis, o documento soa como uma libertação de um peso que nunca deveria ter existido.
De onde veio o mito? Historiadores e teólogos explicam que a frase “sexo só serve para ter filhos” nunca foi doutrina oficial completa, mas nasceu de uma combinação tóxica:
- Frases duras de Santo Agostinho (século IV-V) lidas fora de contexto. Ele escreveu frases duras como:
“O intercurso sexual com a própria esposa, se feito com desejo de procriar, é sem culpa; se feito por desejo de prazer, é venial.”
Ele via o prazer sexual com muita desconfiança por causa de sua experiência pessoal (antes da conversão) e do maniqueísmo que combatia.
→ Essas frases foram repetidas por séculos e criaram a imagem de que a Igreja “não gosta de sexo”. - Manuais de moral do século XIX e início do XX que falavam em “fim primário” (procriação) e “fim secundário” (prazer e união);
- Uma ênfase exagerada na procriação quando a Igreja combatia grupos que negavam o matrimônio ou defendiam a libertinagem.
- Respostas a hereges e exageros puritanos → Quando a Igreja combatia grupos que negavam o matrimônio (cataros, albigenses) ou que defendiam a libertinagem, enfatizava muito a procriação como justificativa principal do sexo.
Esse entendimento restritivo começou a ser corrigido já em 1930 e foi definitivamente superado em 1965.Cronologia oficial da correção
| Ano | Papa / Documento | Contribuição decisiva para corrigir o mal-entendido |
| 1930 | Pio XI – Encíclica Casti Connubii | Supera a linguagem rígida de “fim primário” (procriação) e “fim secundário” (amor mútuo). Declara explicitamente que o amor conjugal e a mútua ajuda pertencem à essência do matrimônio. |
| 1951 | Pio XII – Discurso às parteiras (29 out. 1951) | Afirma que os casais podem buscar relações nos períodos infecundos por motivos graves e que o amor conjugal é um fim legítimo do matrimônio. |
| 1951–58 | Pio XII – Diversos discursos a recém-casados | Repete constantemente que o ato conjugal é “nobre e digno” também pelo seu significado de amor e união, mesmo quando a procriação não é possível. |
| 1965 | Concílio Vaticano II – Gaudium et Spes nº 48–50 | Enterra de vez a distinção “fim primário/secundário”. Declara que o matrimônio e o ato conjugal têm dois significados de igual valor: unitivo e procriativo, inseparáveis. |
| 1968 | Paulo VI – Encíclica Humanae Vitae nº 11–12 | Frase histórica: “Os dois significados do ato conjugal – o significado unitivo e o significado procriativo – são inseparáveis”. |
| 1979–1984 | São João Paulo II – Catequeses da Teologia do Corpo | Dedica 129 audiências a demonstrar que o ato conjugal é “linguagem do amor”, renovação do dom total e comunhão de pessoas, mesmo em períodos infecundos ou após a menopausa. |
| 1992 | Catecismo da Igreja Católica (João Paulo II) nº 2366–2370 | Consagra oficialmente: o ato conjugal tem significado de união e amor; as relações em períodos infecundos são lícitas e boas porque conservam o caráter unitivo. |
| 2025 | Dicastério para a Doutrina da Fé – Una Caro (25 nov. 2025) | Reafirma explicitamente: “O propósito unitivo da sexualidade não se limita a garantir a procriação, mas ajuda a enriquecer e fortalecer a união única e exclusiva” (par. 3). |
Qualquer afirmação de que “na Igreja Católica o sexo é só para fazer filhos” é teologicamente incorreta e contraria o Magistério oficial vigente há quase um século.
O documento Una Caro está disponível em português no site vatican.va. Para muitos casais católicos, ele chega como a confirmação oficial de algo que seus corações já sabiam: no matrimônio, fazer amor é também – e sempre foi – fazer amor.


