
RECIFE, Brasil, 28 de Outubro de 2025 –
Uma única decisão burocrática marcada para 8 de novembro pode acrescentar até R$ 8 ao preço de cada meio quilo de filé de tilápia congelado nos supermercados brasileiros – e levar milhares de pequenos piscicultores à falência. A Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, votará uma minuta de resolução que incluiria a tilápia – o peixe mais cultivado e consumido no país – na “Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras”. Se aprovada, a medida desencadearia uma cascata de licenciamentos ambientais obrigatórios, relatórios de monitoramento genético e certificados de rastreabilidade. O setor estima que o custo anual de conformidade chegue a R$ 2,7 bilhões a R$ 3,3 bilhões, valor que inevitavelmente será repassado ao consumidor.
A tilápia, junto com camarão-branco-do-Pacífico e ostra do Pacífico, responde por cerca de 90% da produção aquícola brasileira, avaliada em R$ 9,6 bilhões em 2024, segundo o último censo agropecuário (PPM/IBGE 2025). O Brasil é o quarto maior produtor mundial da espécie, com pesquisas da Embrapa mostrando que ela é criada em tanques e viveiros controlados que fornecem proteína acessível a milhões de famílias de baixa renda. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) divulgou nota pública rara no dia 25 de outubro expressando “grave preocupação com os potenciais impactos econômicos e sociais”. Alertou que classificar a tilápia como invasora pode bloquear novas licenças de cultivo – já um gargalo notório – e comprometer o comércio interno e externo.“Sem regras federais claras que diferenciem produção confinada de liberação ambiental real, o setor enfrenta insegurança jurídica e paralisia”, diz o comunicado do MPA.
A máquina da conformidade
Produtores afirmam que o verdadeiro beneficiário da lista proposta não é a biodiversidade, mas uma indústria lucrativa de conformidade.
| Exigência | Custo médio por fazenda (anual) |
| Estudo de impacto invasor (EIA-Risco) | R$ 25.000–50.000 |
| Monitoramento genético de fuga | R$ 8.000 |
| Certificação “livre de invasoras” | R$ 6.000 |
| Plataforma digital de rastreabilidade | R$ 3.600 |
| Taxa de licenciamento (Ibama) | R$ 2.500 |
Para um pequeno piscicultor com três tanques, a conta pode ultrapassar R$ 70.000 por ano – mais do que muitos lucram. Três consultorias dominam o mercado de laudos EIA-Risco no Sudeste; duas certificadoras internacionais cobram em dólar. Nenhum dos procedimentos, criticam os produtores, mede se um único peixe escapa para a natureza.
Com preços médios urbanos atuais – R$ 60 o quilo de filé congelado, ou R$ 30 o meio quilo – um aumento de 20–25% no atacado significa R$ 6 a R$ 8 a mais na gôndola. Para uma família de quatro pessoas que consome tilápia duas vezes por mês, isso representa R$ 192 a R$ 256 a mais por ano – quase o valor de uma cesta básica.
Supermercados, já com margens apertadas em proteínas frescas, avisam que reduzirão espaço nas prateleiras ou trocarão por importados do Equador ou Vietnã, elevando ainda mais as emissões de transporte.
A objeção central é científica. Tilápia criada em sistemas fechados de recirculação ou tanques-rede apresenta risco negligenciável de invasão, defendem pesquisadores da Embrapa e da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). Equipará-la a javalis – que devastam lavouras nativas – ignora décadas de dados de contenção .“A minuta não diferencia potencial de fuga em cursos d’água naturais do uso em ambientes de produção projetados”, afirma a Peixe BR em seu parecer à Conabio.
Entidades do setor propõem três salvaguardas de baixo custo que protegeriam a biodiversidade sem falir os produtores:
- Isenção legal para sistemas totalmente confinados.
- Certificação coletiva gerida por associações (R$ 3.000 por fazenda, contra R$ 30.000).
- Auditorias por amostragem em apenas 10% das fazendas.
Nesse modelo, os preços no varejo subiriam menos de 2%, ou R$ 0,50 por meio quilo.
A votação da Conabio na próxima semana decidirá se a proteína cultivada mais barata do Brasil permanecerá nas mesas do país – ou se tornará apenas mais uma linha em um livro-caixa de conformidade.
Fontes: minuta de resolução da Conabio; nota do MPA de 25 out 2025; PPM/IBGE 2025; boletim de aquicultura da Embrapa; parecer técnico da Peixe BR; entrevistas com produtores e varejistas.


