JUNOT – A promessa de Donald Trump de reacender a indústria manufatureira americana, com sua retórica de chapéu de caubói e punho cerrado, parece uma locomotiva reluzente descarrilando nos trilhos tortuosos da realidade demográfica. As fábricas, ele jura, voltarão a rugir, mas quem as fará funcionar? A resposta é um eco vazio nas linhas de produção, onde cerca de 400 mil vagas permanecem ociosas, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho.
Com os ‘baby boomers’ pendurando as botas, os jovens não estão exatamente fazendo fila para tomar seu lugar. E, num giro irônico digno de um roteiro de Kafka, as políticas migratórias de Trump, com sua febre deportadora, parecem sabotar o próprio plano que ele vende como salvação.
Victoria Bloom, economista-chefe da National Association of Manufacturers (NAM), aponta que, desde 2017, o setor industrial luta para encontrar trabalhadores qualificados, um problema que só perdeu o topo da lista de dores de cabeça por causa das tarifas comerciais de Trump e da escalada nos custos de matérias-primas. Há um leve sussurro de contradição aqui: o homem que promete fábricas fervilhando aperta os parafusos da economia com medidas que desestabilizam o comércio e, pior, enxota os trabalhadores que poderiam ocupar os postos vagos.
Ron Hetrick, economista da Lightcast, joga luz sobre o erro cultural que nos trouxe até aqui: por três gerações, martelamos na cabeça dos jovens que a universidade é o único caminho para o sucesso, e agora colhemos o fruto amargo dessa miopia. Precisamos de mãos calejadas, de pessoas que façam as máquinas cantar, mas onde estão elas? Parte da resposta está nos imigrantes que Trump insiste em demonizar.
Enquanto ele brande a bandeira do “América Primeiro”, sua cruzada contra a imigração fecha as portas para aqueles que, historicamente, construíram o chão de fábrica americano. Um leve aroma de hipocrisia começa a pairar.
Os desafios são mais espinhosos do que um cacto no deserto. As fábricas modernas exigem tecnologia de ponta, softwares complexos e trabalhadores com treinamento especializado. Contratar jovens direto do ensino médio, como se fazia nos tempos de ouro, é um sonho que não cabe mais na realidade. E os orientadores escolares, presos a métricas que celebram diplomas universitários, não ajudam a direcionar talentos para a manufatura. Enquanto isso, o país afoga-se em graduados universitários que não encontram empregos à altura de seus pergaminhos, mas faltam técnicos para os tornos e as esteiras. Hetrick é categórico: não há trabalhadores qualificados suficientes nem para os postos de hoje, quanto mais para os que Trump sonha criar.
A Business Roundtable, um clube de CEOs que parecem saídos de um quadro de Norman Rockwell, tenta apagar o incêndio com uma iniciativa para treinar a próxima geração. Em Washington, eles compartilham ideias como quem troca figurinhas. David Gitlin, da Carrier Global, lamenta que, para cada 20 vagas abertas, apenas um candidato qualificado aparece. Ele aponta a explosão da inteligência artificial e a necessidade de técnicos para data centers, onde cada unidade exige quatro profissionais só para manter um sistema de refrigeração funcionando.
Hoje, a indústria tem 425 mil técnicos, mas precisará de mais meio milhão na próxima década, enquanto as escolas técnicas esvaziam. A ironia? Muitos dos técnicos que poderiam salvar o dia estão na mira das batidas migratórias de Trump, que inspeciona locais de trabalho como um xerife de faroeste, sem perceber que está expulsando a mão de obra que suas fábricas imploram.
Aqui, a contradição começa a ficar mais nítida, como uma rachadura numa vitrine. Os executivos aplaudem a visão industrial de Trump, mas não podem ignorar o elefante na sala. Peter Davoren, da Turner Construction, sugere, com a diplomacia de quem pisa em ovos, que um caminho claro para a cidadania para imigrantes da construção e da indústria alimentícia poderia salvar o dia. É um eufemismo para dizer: pare de deportar as pessoas que precisamos. Enquanto Trump faz discursos inflamados sobre proteger os empregos americanos, suas políticas migratórias jogam no lixo a força de trabalho que poderia tornar seu plano realidade. É como se ele quisesse construir uma casa enquanto dinamita a fundação.
Os cortes em programas de treinamento, como o Job Corps, que há 60 anos dá uma chance a jovens vulneráveis, são outra facada nas costas do próprio projeto. Chris Kastner, da Huntington Ingalls Industries, maior construtora naval do país, contratou 68 egressos do programa em dezembro, mas alerta que a lacuna entre as habilidades disponíveis e as necessárias só cresce. A tecnologia corre, mas a educação engatinha, e o governo, em vez de acelerar, corta 1,6 bilhão de dólares em fundos para capacitação. Kastner não diz em voz alta, mas a mensagem é clara: como reacender a indústria se você desmonta as ferramentas para formar seus trabalhadores?
A iniciativa Make America Skilled Again soa como um slogan de campanha, mas é um remendo numa colcha rasgada. Promete consolidar programas de treinamento e criar um milhão de aprendizagens, mas com um orçamento anêmico, é mais fumaça do que fogo. E quando Scott Bessent, secretário do Tesouro, sugere que as fábricas podem recrutar funcionários federais demitidos, a ideia soa como uma piada de mau gosto. Reduzir o setor público para jogar burocratas sem treinamento nas linhas de produção? É o tipo de proposta que faz os CEOs da Business Roundtable trocarem olhares constrangidos.
No evento da Roundtable, o foco está em soluções práticas: treinar estudantes do ensino médio, atrair veteranos. Blake Moret, da Rockwell Automation, conta que sua empresa formou uma academia para capacitar ex-militares em 12 semanas. Sara Armbruster, da Steelcase, defende que as fábricas precisam abrir suas portas para jovens ainda na escola, mostrando que uma linha de produção moderna é limpa, tecnológica e, sim, até descolada. Quando os alunos têm esse estalo, ela diz, veem um mundo de possibilidades se abrir. Mas essas ideias, por mais brilhantes que sejam, esbarram numa barreira intransponível: a política de deportação de Trump, que, com sua fiscalização implacável nos locais de trabalho, expulsa os imigrantes que poderiam preencher as vagas hoje e formar a próxima geração de trabalhadores amanhã.
No fim, Trump e seus apoiadores dançam uma valsa de contradições. Eles sonham com fábricas lotadas, mas erguem muros que afastam os trabalhadores de que precisam. É uma sabotagem autoinfligida, um tiro no pé disparado com o entusiasmo de quem acha que está vencendo a guerra.
Enquanto o presidente brande sua visão de uma América industrial renascida, suas políticas migratórias garantem que as máquinas permaneçam silenciosas, as vagas, abertas, e o sonho, apenas isso: um sonho.