JSNEWS – Um estudo de 2025 conduzido pelo Greater Boston Food Bank e pela Mass General Brigham revela um quadro preocupante: 37% dos lares de Massachusetts, equivalente a mais de 2 milhões de adultos, enfrentam insegurança alimentar, ou seja, não têm certeza se terão uma outra refeição ou não conseguem adquirir alimentos suficientes devido à falta de recursos financeiros. Esse índice, que era de 19% em 2019, antes da pandemia, subiu para 30% em 2020, 34% em 2023 e alcançou 37% em 2024, conforme pesquisa realizada com 3.000 adultos entre novembro de 2024 e março de 2025.
A insegurança alimentar varia significativamente por raça, evidenciando disparidades marcantes:
- Hispânicos: 62% dos lares hispânicos enfrentam insegurança alimentar, um aumento significativo em relação aos 44% registrados antes da pandemia.
- Negros: 46% dos lares negros estão em situação de insegurança alimentar, uma redução em relação aos 50% em 2020, mas ainda superior aos 31% de 2019.
- Brancos: A taxa de insegurança alimentar entre brancos mais que dobrou, passando de 15% em 2019 para 32% em 2024.
- Asiáticos: Similarmente, a insegurança alimentar entre asiáticos também subiu de cerca de 15% em 2019 para 32% em 2024.
- LGBTQ+: Embora não seja uma categoria racial, 56% dos lares com pessoas LGBTQ+ enfrentam insegurança alimentar, uma taxa significativamente alta.
Além disso, 24% dos lares no estado vivenciam muito baixa segurança alimentar, a forma mais severa, em que membros da família pulam refeições ou passam dias sem comer por falta de recursos — um aumento quadruplicado desde o início da pandemia. A situação é ainda mais grave em condados como Hampden (54% de insegurança alimentar), Franklin, Hampshire, Bristol e Suffolk, onde metade dos lares é afetada.
As causas incluem os efeitos persistentes da pandemia, o aumento de 25% no custo dos alimentos desde 2019, além de despesas elevadas com moradia e serviços essenciais, e o fim de programas sociais expandidos, como o Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP). Propostas de cortes em programas federais, como SNAP e Medicaid, por legisladores republicanos, podem agravar a crise, segundo alertas de representantes democratas como Katherine Clark, Ayanna Pressley e Jim McGovern. Pressley destacou que esses cortes ameaçam os mais de 187.000 beneficiários do SNAP em seu distrito, enquanto McGovern lamentou a interrupção de avanços no combate à fome.
A insegurança alimentar impacta a saúde, contribuindo para problemas como diabetes e doenças cardíacas, com custos estimados em até US$ 1,3 bilhão anuais no sistema de saúde para pacientes do Medicaid. Um terço das crianças do estado enfrenta insegurança alimentar, com os casos mais graves subindo de 11% em 2023 para 15% em 2024. Histórias como a de Jacqueline Martinez, de 54 anos, que cria sua neta em Revere e luta para comprar alimentos nutritivos, ilustram o impacto humano. “É de partir o coração”, disse ela.
Catherine D’Amato, presidente do Greater Boston Food Bank, enfatizou que a fome é um problema solucionável, mas exige ação coordenada. “O custo da fome é imenso, não apenas em dólares, mas em saúde, oportunidades e potencial humano”, afirmou. O relatório é um apelo urgente para fortalecer políticas públicas e programas como SNAP e WIC, garantindo acesso a alimentos adequados e nutritivos para todas as comunidades, especialmente as mais afetadas pelas disparidades raciais.
Brasileiros em Massachusetts
Outros detalhes e interesse: Os brasileiros não são classificados como hispânicos na pesquisa do Greater Boston Food Bank e Mass General Brigham, seguindo a definição oficial do governo dos EUA que exclui pessoas de origem portuguesa ou de países não hispanófonos. No entanto, a inclusão de um questionário em português sugere que os brasileiros foram considerados na amostra, possivelmente como um grupo étnico distinto ou dentro de uma categoria mais ampla, como “sul-americanos” ou “outros”. A alta taxa de insegurança alimentar entre hispânicos (62%) reflete principalmente grupos de países de língua espanhola, mas a falta de menção explícita aos brasileiros impede uma conclusão definitiva sobre sua categorização específica.
Para confirmar, seria necessário acessar os dados brutos ou o relatório completo, disponível emhttps://www.gbfb.org/wp-content/uploads/2025/06/GBFB_Food-Access-Report_2025_final.pdf
Fontes: Greater Boston Food Bank e Mass General Brigham (2025), Food Access in Massachusetts: The Cost of Hunger; reportagens da GBH News, The Boston Globe e MassLive (17-18 de junho de 2025).
Insegurança Alimentar em Massachusetts (EUA) x Insegurança Alimentar no Brasil
No estudo Food Access in Massachusetts: The Cost of Hunger (2025), a definição de insegurança alimentar segue o padrão estabelecido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que é amplamente utilizado nos EUA. O USDA define insegurança alimentar como:
“Acesso limitado ou incerto a alimentos adequados devido à falta de recursos financeiros ou outras restrições.”
Essa definição abrange dois níveis principais:
- Baixa Segurança Alimentar (Low Food Security): Preocupação com a falta de alimentos, redução na qualidade ou variedade da dieta, mas sem grandes interrupções na ingestão alimentar. Exemplo: famílias que compram alimentos mais baratos e menos nutritivos ou que se preocupam com o estoque de comida acabar.
- Muito Baixa Segurança Alimentar (Very Low Food Security): Situações mais graves, em que há redução significativa na ingestão de alimentos, com membros da família pulando refeições, diminuindo porções ou até passando dias sem comer por falta de dinheiro. Isso se aproxima mais do conceito de fome.
- No estudo de Massachusetts:
37% dos lares foram classificados como food insecure (inseguros alimentarmente), incluindo tanto baixa quanto muito baixa segurança alimentar. - 24% dos lares enfrentaram muito baixa segurança alimentar, indicando experiências mais próximas à fome.
- A pesquisa usou o U.S. Household Food Security Survey Module do USDA, um questionário com 18 perguntas (10 para lares sem crianças e 8 adicionais para lares com crianças) que avalia, nos últimos 12 meses, aspectos como:
Preocupação com a falta de alimentos. - Redução na qualidade ou quantidade de alimentos consumidos.
- Episódios de fome (não comer por falta de recursos).
- As perguntas são baseadas em autorrelato e medem a frequência e gravidade das dificuldades de acesso a alimentos.
Insegurança Alimentar no Brasil:
No Brasil, a definição de insegurança alimentar é baseada na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), desenvolvida a partir de adaptações do modelo do USDA, mas ajustada ao contexto sociocultural brasileiro. A EBIA é usada em pesquisas como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE. A insegurança alimentar no Brasil é definida como:
- “A falta de acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para uma vida saudável, devido a restrições econômicas ou outras barreiras.”
- A EBIA classifica a insegurança alimentar em três níveis:
Insegurança Alimentar Leve: Preocupação ou incerteza sobre o acesso futuro a alimentos, com possível redução na qualidade da dieta, mas sem comprometimento significativo da quantidade. Exemplo: preocupação com a falta de comida ou consumo de alimentos menos variados. - Insegurança Alimentar Moderada: Redução na quantidade de alimentos consumidos, com impacto na dieta de adultos, mas geralmente poupando crianças. Exemplo: adultos comem menos para garantir comida para as crianças.
- Insegurança Alimentar Grave: Redução severa na quantidade de alimentos, com experiências de fome afetando adultos e, em alguns casos, crianças. Exemplo: membros da família passam o dia sem comer por falta de recursos.
- A EBIA utiliza um questionário com 14 perguntas (ou 8 em versões reduzidas) que avaliam, nos últimos 3 meses (diferente dos 12 meses do USDA), questões como:
Preocupação com a falta de alimentos. - Redução na qualidade ou quantidade da dieta.
- Experiências de fome (adultos ou crianças não comerem por falta de dinheiro).
- As respostas geram um escore que classifica o lar em um dos níveis acima.
Comparação: Critérios no Massachusetts (EUA) vs. Brasil
Semelhanças:
- Base Comum: Ambos os sistemas (USDA e EBIA) derivam de um modelo original desenvolvido nos EUA, adaptado para contextos locais. As perguntas em ambos os questionários abordam preocupações com acesso a alimentos, qualidade da dieta e episódios de fome.
- Níveis de Gravidade: Tanto no estudo de Massachusetts quanto no Brasil, a insegurança alimentar é dividida em níveis que vão de leve (preocupação e redução de qualidade) a grave (fome ou interrupção significativa no consumo de alimentos).
- Foco em Restrições Econômicas: Em ambos os casos, a insegurança alimentar está ligada principalmente à falta de recursos financeiros, embora outros fatores (como acesso físico a mercados) possam influenciar.
- Impacto na Saúde: Tanto o estudo de Massachusetts quanto pesquisas brasileiras (como as do IBGE) destacam que a insegurança alimentar está associada a problemas de saúde, como má nutrição, obesidade, diabetes e doenças crônicas.
Diferenças: Período de Referência:
- Massachusetts (USDA): Avalia os últimos 12 meses, o que pode captar flutuações sazonais ou crises prolongadas.
- Brasil (EBIA): Avalia os últimos 3 meses, refletindo um período mais recente e potencialmente mais sensível a mudanças econômicas imediatas.
Número de Perguntas:
- Massachusetts: Usa 18 perguntas (10 para lares sem crianças, mais 8 para lares com crianças), permitindo uma análise mais detalhada.
- Brasil: Usa 14 perguntas (ou 8 em versões simplificadas), o que pode ser menos granular, mas mais prático para pesquisas de larga escala.
Adaptação Cultural:
- Massachusetts: As perguntas do USDA são padronizadas para o contexto dos EUA, onde o acesso a alimentos processados é comum, mas o custo de alimentos frescos e nutritivos é uma barreira significativa. O estudo reflete preocupações com escolhas entre pagar contas (como aluguel ou energia) e comprar comida.
- Brasil: A EBIA é ajustada para realidades brasileiras, como a dependência de alimentos básicos (arroz, feijão) e a prevalência de estratégias de coping (como reduzir refeições para proteger crianças). O contexto rural e as desigualdades regionais também influenciam as perguntas.
Classificação:
- Massachusetts: Divide em “baixa” e “muito baixa” segurança alimentar, com foco em adultos e crianças separadamente.
- Brasil: Divide em leve, moderada e grave, com maior ênfase na proteção das crianças nos níveis moderados (adultos sacrificam sua alimentação primeiro).
Contexto Socioeconômico:
- Massachusetts: O estudo reflete um estado com alto custo de vida, onde mesmo famílias de classe média podem enfrentar insegurança alimentar devido a despesas com moradia, saúde e educação. O fim de benefícios pandêmicos (como SNAP expandido) agravou a situação.
- Brasil: A insegurança alimentar está mais associada à pobreza extrema e desigualdades estruturais, com maior prevalência em áreas rurais e entre populações vulneráveis (como indígenas e quilombolas). Programas como o Bolsa Família têm impacto direto na mitigação.
Conclusão
Os critérios para insegurança alimentar em Massachusetts e no Brasil são semelhantes em sua essência, pois ambos medem a incerteza ou dificuldade de acesso a alimentos adequados devido a restrições econômicas, com escalas que variam de preocupações leves a situações de fome. No entanto, diferem em detalhes como o período de referência (12 meses nos EUA vs. 3 meses no Brasil), o número e a formulação das perguntas, e os contextos socioculturais que moldam as experiências de insegurança alimentar. O estudo de Massachusetts usa uma abordagem mais ampla e padronizada para o contexto americano, enquanto a EBIA é mais adaptada às realidades brasileiras, com maior sensibilidade a nuances como a proteção alimentar de crianças.