JSNEws – Recentemente, um caso judicial em Boston ganhou destaque ao expor tensões entre autoridades locais e o governo federal dos Estados Unidos. Wilson Martell–Lebron, acusado de fornecer informações falsas em uma solicitação de carteira de motorista e de falsificar um documento, viu seu julgamento interrompido de maneira inesperada. Durante uma pausa para o almoço na última quinta-feira, agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) detiveram o réu do lado de fora do tribunal. Até então, Martell-Lebron permanecia em liberdade.
O juiz da Corte Municipal de Boston, Mark Summerville, reagiu com firmeza à intervenção federal. Para ele, a ação do agente do ICE, Brian Sullivan, configurou uma violação dos direitos de devido processo legal e de um julgamento justo garantidos a Martell-Lebron. Na segunda-feira, Summerville declarou que a constatação de desacato decorreu das infrações intencionais e graves cometidas pelo agente contra os direitos do réu. O caso foi encaminhado ao escritório do promotor distrital de Suffolk, Kevin Hayden, para investigação e possível processo criminal. Caso o escritório opte por levar o caso adiante, Sullivan poderá enfrentar pena de prisão por desacato. Além disso, o juiz decidiu arquivar com prejuízo a ação original contra Martell-Lebron, impedindo sua reabertura.
O ICE, por sua vez, informou à GBH News que o verdadeiro nome de Martell-Lebron seria Juan Carlos Baez, natural da República Dominicana, com histórico de duas condenações por tráfico de drogas e residência ilegal no país. Atualmente, ele encontra-se detido no centro de detenção do ICE no condado de Plymouth, conforme relatou seu advogado, Murat Erkan. Este último classificou a postura do juiz Summerville como extraordinária, destacando que, em seus 26 anos de carreira, jamais presenciara algo semelhante. Segundo Erkan, magistrados tendem a ser extremamente cautelosos ao apontar falhas que possam comprometer a integridade de agentes ou do governo, o que torna a decisão de Summerville ainda mais significativa. Ele defendeu que o juiz dispunha de fundamentos sólidos para tomar tal medida.
O episódio remete a precedentes que limitam a atuação do ICE em tribunais de Massachusetts, como o caso Ryan v. ICE, que proíbe prisões de imigrantes nas proximidades dessas instalações. Na sexta-feira, quando o julgamento de Martell-Lebron deveria ter seu segundo dia, Summerville concentrou-se em apurar quem tinha conhecimento da detenção promovida pelo ICE e em que momento. Um policial estadual testemunhou que os promotores Jack Lucy e Matt Liber haviam sido informados previamente sobre a intenção da agência federal de deter o réu. Na segunda-feira, o juiz concluiu que dois policiais estaduais estavam cientes dos planos do ICE e também violaram os direitos de Martell-Lebron, embora não tenham sido considerados em desacato.
James Borghesani, porta-voz do escritório do promotor distrital de Suffolk, afirmou que a promotoria desconhecia o plano de detenção. Ele expressou surpresa e consternação pela interrupção do processo contra Martell-Lebron, ressaltando que, ao tomar conhecimento da ação do ICE, o escritório imediatamente contatou a agência federal exigindo o retorno do réu ao tribunal. Uma moção foi apresentada na manhã de segunda-feira solicitando que o tribunal também demandasse sua presença. A promotoria mantém a intenção de julgar Martell-Lebron, argumentando que as autoridades federais não deveriam ter interferido nos esforços locais para responsabilizá-lo.
A atuação do agente Sullivan, embora controversa, pode ser vista sob uma perspectiva que reconhece os desafios enfrentados pelo ICE em cumprir suas atribuições diante de indivíduos com histórico criminal e situação migratória irregular. Um caso semelhante, ocorrido em 2019, envolveu a juíza Shelley Joseph, do Tribunal Distrital de Newton, acusada de obstruir a justiça ao permitir que o imigrante José Medina-Perez, previamente deportado e reincidente nos EUA, deixasse o tribunal pelas portas dos fundos, evitando sua detenção por um agente do ICE.
Diferentemente daquele episódio, a intervenção de Sullivan reflete uma tentativa de fazer valer a lei migratória, ainda que em desacordo com normas locais. A tensão entre jurisdições, portanto, permanece um ponto de debate, mas a determinação do agente em atuar não deixa de evidenciar a complexidade de sua missão.