AFP – Conhecida há anos como uma das nações mais perigosas do mundo, a Venezuela registrou uma diminuição significativa nos homicídios, mas as suas gangues se espalharam por toda a América Latina e as que permanecem no país extorquem impiedosamente nos bairros mais pobres.
“A situação está muito intensa”, disse à AFP um morador de José Félix Ribas, setor de Petare, um enorme labirinto de bairros de ruas estreitas e edifícios precários de Caracas.
“Há quase um mês todos os comerciantes do bairro foram convocados para uma reunião. Foram visitados por pessoas muito armadas”, contou.
À primeira vista, José Félix Ribas parece um local tranquilo. Moradores tomam cerveja enquanto ouvem música, outros voltam do trabalho com sacolas de compras.
Mas o setor é controlado pela gangue de “El Wilexis”, personagem que se tornou quase uma lenda e que, segundo os moradores, sabe quem é de lá.
A polícia raramente atua na região e realiza poucas operações.
– Multinacional do crime –
A extorsão, muitas vezes chamada de “vacina”, é paga à gangue. Segundo especialistas, esse crime aumenta à medida que diminuem os homicídios e os roubos neste país de 30 milhões de habitantes.
A crise sem precedentes, com uma redução do PIB de 80% em 10 anos e uma inflação que atingiu 130.000% em termos anuais em 2018, deixou regiões inteiras do país com bairros sem lei, onde as armas exerciam o poder.
A dolarização, o fim da hiperinflação, a leve recuperação econômica e uma presença significativa das forças de segurança tornaram o país “habitável”, segundo um estrangeiro que mora na Venezuela há mais de 30 anos.
A segurança “está melhor”, concorda Edison Molina, um mototaxista de 35 anos em Petare. “Antes você não podia ficar com o telefone na mão, agora você pode”.
As estatísticas corroboram isso: a taxa de homicídios caiu de 91,8 para 26,8 por 100 mil habitantes entre 2016 e 2023, segundo o Observatório Venezuelano da Violência (OVV), uma ONG independente. De acordo com o governo, a taxa de homicídios de 2023 foi de 5,2 e os roubos diminuíram 33%.
Não há estatísticas sobre ‘megagangues’ ou extorsão, mas o presidente socialista Nicolás Maduro, que aspira um terceiro mandato de seis anos nas eleições de 28 de julho, celebra ter desferido “golpes certeiros” na insegurança.
Segundo os especialistas, a migração massiva durante a crise também contribuiu, com os criminosos que partiram seguindo os passos de suas potenciais vítimas. Desse modo, algumas gangues “exportaram” parte de seus elementos: a mais conhecida é a ‘Tren de Aragua’, criada em 2014 e que se tornou uma multinacional criminosa com filiais na América Latina para extorquir, assassinar, prostituir e traficar drogas, dedicada inclusive à imigração clandestina e à mineração ilegal.
– “Policiais criminosos” –
As autoridades garantem que o grupo foi desarticulado. Sua sede, no presídio de Tocorón, em Lara (oeste), foi desmantelada durante uma intervenção em sete presídios, onde atuavam outras gangues.
E embora estas operações tenham atingido as gangues e, sem dúvida, as tenham enfraquecido, elas estão longe de terem desaparecido.
Segundo especialistas, as ‘megagangues’ formadas por centenas de pessoas armadas até os dentes persistem.
“Muitas gangues que se dedicavam ao sequestro relâmpago agora se dedicam à extorsão”, explica o criminologista Luis Izquiel, coautor do livro Revolução da Morte. Existe um “domínio do crime organizado que se concentra nos negócios de extorsão”, concorda o diretor da OVV, Roberto Briceño León.
O governo também lançou operações de tomada de outros bairros dominados por gangues. Em 2021, as Forças de Ação Especial da Polícia Nacional (FAES) ocuparam La Vega e Cota 905 em Caracas, além de outros bairros periféricos onde, segundo denúncias de organizações de direitos humanos, cometeram inúmeras execuções extrajudiciais.
Segundo a OVV, estas execuções também impactaram as taxas de segurança.
Na Cota 905 as opiniões estão divididas: José Vásquez, de 65 anos, garante que a “região melhorou muito”. Outros, que preferem não se identificar, afirmam que os novos “malandros (criminosos) estão vestidos de policiais”.