NY TIMES – Teresa Todd encostou o carro numa noite recente em uma estrada escura no oeste do Texas para ajudar três jovens migrantes centro-americanos que lhe fizeram sinal. Todd —uma autoridade eleita, advogada do governo e mãe solteira em uma região de fronteira no deserto perto do Parque Nacional Big Bend— disse que entrou em “modo mãe total” quando viu os três irmãos, um dos quais, uma garota, parecia muito doente.
Com dificuldade para se comunicar usando seu espanhol precário, Todd disse aos três jovens para saírem do frio e entrarem no carro. Ela estava telefonando e mandando mensagens para amigos em busca de ajuda, quando um carro de polícia se aproximou, seguido da Patrulha de Fronteiras.
“Eles me pediram para ficar atrás do carro, então o supervisor veio e começou a ler meus direitos”, disse Todd. “Ele disse que eu poderia ser condenada por transportar estrangeiros ilegais, e eu: ‘Do que você está falando?'”
Todd passou 45 minutos em uma cela naquela noite. Agentes federais conseguiram um mandado para examinar seu telefone e ela se tornou o foco de uma investigação que poderá levar a acusações criminais federais.
Enquanto o governo Trump avança em diversas frentes para fechar as travessias ilegais de fronteira, também reforçou as medidas punitivas contra cidadãos que derem ajuda compassiva aos migrantes — “bons samaritanos” que muitas vezes tentam salvar vidas na fronteira que percorre centenas de quilômetros de terreno remoto, que pode ser brutalmente agressivo.
No início deste ano, agentes federais revistaram a casa de um voluntário que oferece refeições, abrigo e outras ajudas a migrantes na fronteira, na cidade texana de Brownsville.
No Arizona, quatro voluntários da No More Deaths [Chega de mortes], organização sem fins lucrativos sediada em Tucson, foram condenados por crimes de má conduta depois de deixar água e comida enlatada para migrantes que atravessam o Refúgio de Vida Natural Cabeza Prieta.
Cinco outros voluntários enfrentaram acusações, incluindo um caso de crime grave pendente no Tribunal Distrital Federal em Tucson.
“Eu sinceramente não acho que fiz alguma coisa errada: parei para ajudar uns garotos”, disse Todd, 53, que é advogada da Prefeitura de Marfa, no Texas, e secretária de Justiça do Condado de Jeff Davis, um cargo eleito.
“Foi muito transformador para mim, para ser bem franca. Ter dedicado minha vida ao serviço público, e então ser detida e investigada como se fosse uma contrabandista de pessoas. Toda a coisa foi muito, muito surreal. Parecia ‘Além da Imaginação’.”
Agentes federais na fronteira em alguns casos trabalham em conexão com abrigos sem fins lucrativos e voluntários para coordenar a logística de moradia e transporte de migrantes em cidades de fronteira que recentemente foram libertos pela Patrulha de Fronteiras.
Mas com frequência os voluntários que ajudam os migrantes ilegais antes que entrem em custódia são tratados de modo muito diferente.
Para Todd, começou por volta das 22h de 27 de fevereiro, perto da comunidade de Marfa, no deserto. Todd estava ocupada naquela noite: tinha participado de uma reunião de planejamento e zoneamento na Prefeitura de Marfa, teve um jantar tarde no Hotel Saint George e estava voltando para casa na cidade próxima de Fort Davis. De repente, um rapaz de camisa branca saiu correndo de uma vala e acenou para ela.
“Tenho dois filhos adolescentes”, disse Todd. “Um de 17 e outro de 15, e ele parecia do mesmo tamanho do meu mais moço, e eu literalmente pensei: ‘Meu Deus, ele parece esse menino na beira da estrada’. Virei o carro e voltei, porque não posso deixar um menino como aquele na beira da estrada.”
Ele era um pouco mais velho, como ela soube depois, e com seus irmãos começaram a lhe contar o tinha acontecido.
Os irmãos vinham de El Salvador —Carlos, 22, Francisco, 20, e Esmeralda, 18. Tinham fugido de casa anos atrás e viviam com uma tia na Guatemala. A violência das gangues os forçou a partir —dois amigos de Carlos foram assassinados, um líder de bando queria que Esmeralda fosse sua namorada, segundo documentos jurídicos.
Os três rumaram para os Estados Unidos e cruzaram a fronteira em um trecho distante do deserto com um grupo de migrantes e contrabandistas. Mas Esmeralda ficou doente e tinha dificuldade para acompanhar os outros.
Todd mandou os irmãos entrarem em seu carro e começou a contatar amigos um que trabalha para uma organização beneficente de refugiados e outra que é advogada da Patrulha de Fronteiras.
Momentos depois, um policial do condado vizinho de Presidio encostou atrás dela, com as luzes piscando. O policial e Todd se conheciam, mas ele ficou imediatamente desconfiado, disse ela, perguntando se achava que as mochilas dos migrantes cheiravam a maconha. O policial alertou a Patrulha de Fronteiras, cujos agentes detiveram Todd.
Ela, que é advogada do condado e costuma prender infratores, foi colocada numa cela de espera em uma delegacia próxima da patrulha. Sua bolsa e artigos pessoais foram confiscados.
Dias depois, de volta ao trabalho na prefeitura de Marfa, ela foi visitada em seu escritório por um agente de investigações da Segurança Interna e um patrulheiro do Texas. O agente federal lhe entregou um mandado de busca para seu telefone e ela o entregou. Uma de suas amigas a quem tinha enviado mensagem aquela noite também foi interrogada e teve seu telefone examinado, segundo disse.
Todd não foi acusada de crime, mas os três migrantes de El Salvador ficaram detidos por algum tempo como testemunhas materiais, sugerindo que promotores federais estavam pensando em usá-los em um processo criminal contra ela.
Agora eles estão numa instalação da Polícia de Imigração e Alfândega (ICE na sigla em inglês) em El Paso e poderão ser deportados. “Os três continuam sob custódia da ICE, dependendo de seus processos de imigração”, disse uma porta-voz da agência.
Um porta-voz da Patrulha de Fronteiras disse que o incidente continua “um caso aberto”, mas não quis comentar mais, assim como o gabinete do promotor federal.
O episódio ao mesmo tempo irritou e confundiu Todd e seus amigos e colegas no Condado de Jeff Davis. William Kitts, o xerife de Jeff Davis e colega de Todd no governo municipal, disse que diversos moradores ajudaram migrantes, dando-lhes água ou uma carona até seu escritório. Nenhum foi processado, e Kitts disse que Todd também não deveria ser.
O delegado disse acreditar que Esmeralda teria morrido se Todd não tivesse parado para ajudá-la. Segundo registros do tribunal, ela foi levada por agentes da Patrulha de Fronteiras ao Centro Médico Regional Big Bend em Alpine, no Texas, e foi tratada durante quatro dias de desnutrição, desidratação, ferimentos infeccionados de espinhos de cactos e rabdomiólise, uma síndrome muscular que pode causar falência dos rins.
“Abrigar migrantes seria um exagero deles, segundo meu manual”, disse Kitts sobre a ameaça de acusação criminal contra Todd. “Há um componente humano nisto. Vamos deixar o Congresso e os políticos discutirem, mas se alguém está faminto, sedento ou precisa de ajuda, vamos ajudá-lo.”
Kenneth Magidson, que serviu como promotor federal em Houston e na região de fronteira no sul do Texas de 2011 a 2017, disse que o governo começou a adotar “uma abordagem mais dura” ao processar tais casos desde que o presidente Donald Trump assumiu o cargo.
“[Processar] por oferecer água ou levar a um hospital alguém que precisa de assistência médica imediata já é exagero”, disse ele. “Você tem de examinar todo o contexto do caso. Foi na casa da pessoa? Eles passaram a noite? É mais que simplesmente alguém dar água a alguém na beira da estrada?”