
Washington, 17 de novembro de 2025 –
Em pleno ano 2025, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, ofereceu ao país uma explicação medieval para a alta do preço da carne bovina: “Parte do problema é a imigração em massa; uma doença que havíamos erradicado na América do Norte subiu da América do Sul porque esses migrantes trouxeram parte de seu gado consigo. Então, parte do problema é que tivemos de fechar a fronteira para a carne bovina mexicana por causa dessa doença chamada mosca-da-bicheira. Não vamos deixar isso entrar na nossa cadeia de abastecimento”, disse ele à Fox News no domingo.
A doença existe: a mosca-da-bicheira (Cochliomyia hominivorax), parasita que devora carne viva e que de fato levou o USDA a suspender importações de gado mexicano em maio de 2025. Mas a causalidade é inventada – imaginem centenas de milhares de pessoas atravessando a pé dois continentes tangendo rebanhos infectados – essa narrativa não resiste a 30 segundos de consulta ao próprio USDA, à Reuters ou a qualquer veterinário formado depois de 1950.
E, no entanto, a frase foi dita. E foi aplaudida por parte da audiência. Não se trata de epidemiologia. Trata-se de um roteiro antigo, apenas com novos personagens.
No século XIX e início do XX, os judeus eram acusados de espalhar cólera, tuberculose e peste bubônica “de propósito”. Em 1903, o jornal russo Znamya publicou os falsos Protocolos dos Sábios de Sião, alegando que um pequeno grupo coordenava secretamente a ruína do mundo. O texto serviu de justificativa para centenas de pogroms – massacres organizados contra comunidades judaicas, especialmente no Império Russo entre 1881 e 1921, que deixaram milhares de mortos, dezenas de milhares de feridos e cidades inteiras queimadas.
Hoje, o bode expiatório mudou de nome, de religião e de passaporte. Mas o mecanismo é idêntico:
- Trazem doenças
- Envenenam o gado
- Causam fome
- Destroem a economia
São uma conspiração coordenada que ninguém vê, mas todos “sentem”. A única diferença é que, em 2025, o arauto não é um panfleto antissemita em Kiev; é o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, falando em rede nacional. Nos campos de detenção do Texas e da Louisiana já existem guetos de fato: cidades de contêineres cercadas por arame farpado onde famílias inteiras vivem segregadas, sem data para julgamento ou saída. Crianças nascem lá dentro. Alguns detentos estão há mais de dois anos sem ver um juiz.
Quando a narrativa oficial transforma um grupo inteiro em portador universal de pragas, crimes e miséria, a história nos ensina o que vem depois dos guetos. Primeiro vem o discurso que desumaniza. Depois vem a violência que “se justifica sozinha”. E depois? Melhor nem perguntar – a história já respondeu em Auschwitz.
A declaração de Scott Bessent é a reedição, em tempo real e em alta definição, do mais antigo manual de ódio que a civilização ocidental conhece. E o manual nunca falhou em encontrar quem o lesse em voz alta.
Fontes consultadas:
Fox News (16/11/2025), USDA (11/05/2025), Reuters, The Atlantic (17/11/2025), United States Holocaust Memorial Museum (verbete “pogroms”), ACLU – relatório sobre centros de detenção no Texas (outubro 2025).


